1. Nick

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O dia começa no meio da noite. Não presto atenção em nada, só no contrabaixo em minha mão, o barulho em meus ouvidos. Enquanto Dev grita e Tom se contorce descontroladamente, eu sou o mecanismo do relógio. Sou eu que pego essa coisa chamada música e a alinho com a coisa chamada tempo Eu sou a marcação, sou a pulsação, eu estou por trás de cada parte deste momento. Não temos baterista. Dev tirou a camisa, Thom está exagerando no feedback, e eu estou por trás deles, eu sou o gerador. Estou ouvindo e não escuto porque o que toco não é algo sobre o qual eu raciocino, mas algo que me toma por inteiro. Todos os olhares estão em nós. Ou pelo menos é o que eu posso imaginar durante a minha cegueira no palco. O espaço é pequeno, fazemos um barulhão, e eu sou o baixsta não-gay numa queercore band que enche a sala de murmúrios enquanto Dev canta aos berros, O Homem que se foda! O Homem que se foda! Eu quero de verdade! O Homem que se foda. Estou pontuando, eu perfuro e soco o ar com meu corpo enquanto meus dedos pressionam firmemente as cordas. Suor, rancor e desejo se derramam de mim. Isto é libertação, ou talvez seja apenas um pedido de libertação. Dev agora geme, Thom está a toda e eu estou viajando legal, embora meus pés não se mexam. Olho a luz e vejo pessoas se sacudindo, pulando e assistindo ao Dev levar o microfone à boca e continuar gritando a letra. Atiro as cordas para eles, eu os encharco de ondas sonoras, marco o tempo tão alto que eles têm de ouvir. Sou mais forte que as palavras e sou maior do que a caixa de som em que me encontro, e então a vejo na multidão e me desintegro.

Merda, eu disse a ela para não vir. Enquanto ela estava ocupada me desfazendo em pedaços, esse era o único fragmento meu que implorei que ela deixasse. Por favor, não vá aos shows. Não quero ver você lá. E ela disse sim, e na hora não foi mentira. Mas em algum momento passou a ser. E eu me vejo sem o menor controle emocional, tudo em minha volta vai do grito ao choro - tudo isso no tempo que levo para ver o formato de seus lábios. E depois eu vejo - ah caralho, não - que ela não está sozinha, que está com um cara; embora vá dizer que veio me ver, não tenho dúvida nenhuma do que ela veio para que eu a visse. Acabou, disse ela, e isso não soou como a maior mentira do mundo? Estou cambaleando nas notas, Dev chegou ao verso seguinte e Thom toca um pouco mais rápido do que deveria, então tenho que correr atrás do prejuízo enquanto ela se inclina para o cara e balança a cabeça como se eu estivesse fazendo esta música para ela, quando, na verdade, se eu pudesse, pararia com tudo e dedicaria a ela um silêncio equivalente à dor que ela me deu.

Procuro acompanhar Dev e Thom. Esta noite nos chamamos The Fuck Offs, mas é um nome novo e não deve durar nem três apresentações; afinal, até lá, Dev pode inventar outro. Já fomos Porn Yesterday, The Black Handkerchiefs, The Vengeful Hairdressers e None of Your Business. Não faço uso de meu voto, a não ser para vetar as ideias mais imbecis de Dev ("Cara", tive de dizer a ele, "ninguém quer ver uma banda chamada Dickache"). Dev quer drogar o drogado, tatuar o tatuado e tem um jeito todo especial com aqueles punks perturbados que vêm aos nossos shows sem imaginar que vão acabar querendo se atracar com o cara que desafia a platéia, De que tamanho é o seu cocker spaniel?. Dev é de uma cidade em Jersey chamado Lodi, e isso faz todo o sentido para mim, uma vez que ele não passa de um ídolo às avessas. Thom é de South Orange e só tem um "h" no nome a dois meses. Eu sou de Hoboken, o mais perto de Nova York que se pode chegar sem que você realmente esteja em Nova York. Em noites como esta, com a oportunidade de tocar diante de mais gente do que nossos amigos, eu atravessaria o Hudson a nado só para chegar a este clube, que mais parece uma caverna. Pelo menos até Tris aparecer e eu perceber que estou sangrando no palco de maneira invisível.

Tomem o poder/ O Homem que se foda/ Tomem o poder/ e que se foda o Homem. Dev está levando a música a um lugar que não fora antes: um intervalo de quarta. Agora fiz uma pausa, esperando pelo fecho. Thom parece estar à beira de um solo, que nunca é um lugar muito seguro para ele. Eu mexo os pés, desvio-me dela procuro fingir que ela não está presente, o que é uma piada tão escrota que nunca me fez rir. Tento atrair atenção tão periférica de Dev, mas ele está ocupado demais enxugando o suor do peito para perceber. Por fim, porém, ele consegue uma explosão de energia com força suficiente para dar vazão àquilo tudo. Então ele estende os braços e uiva, e eu parro tudo com uma última guinada. A multidão nos dá uma explosão de seu próprio barulho. Procuro ouvir a voz dela, tento distinguir aquele tom único entre gritos e aplausos. Mas ela está tão distante quanto estava na noite em que chorei e ela se virou para ver se eu estava bem. Três semanas, dois dias e 23 horas atrás. E ela está com outro.

Nick & Norah - Uma Noite de Amor e MúsicaOnde histórias criam vida. Descubra agora