Prezado moço que eu odeio amar e amo odiar,

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(aviso de gatilho: pedofilia, dependência emocional...)


    Eu suponho que a intenção foi mútua e os primeiros sentimentos até que foram recíprocos. Até porque, a forma como você me comia com seus olhos diziam muito mais do que as poucas palavras que saíam da sua boca carnuda. As minhas cantadas discretas, apesar de serem ditas de forma tímida, gritavam o quanto eu te queria perto de mim.

    Nós dois éramos jovens e bonitos, porém, eu era muito mais jovem que você.


    Você era um completo enigma para mim. O único labirinto nesse mundo que eu não temia em me perder. Eu só não tinha ideia do quanto o processo de te desvendar poderia me machucar. E como o idiota que eu sou, mesmo após descobrir isso eu continuei tentando. Eu tinha a melhor das intenções, apesar de tudo.


    E não demorou muito para eu virar o rostinho bonito de intelecto baixo que te acompanhava aonde for. Era como um pingente, um acessório, algo que só te serve esteticamente. Eu estava sempre lá, pronto para amaciar o seu ego em qualquer aspecto. Seja para te fazer sentir mais inteligente ou até mesmo desejado.

    Foram dois palitos para que eu virasse nada mais do que um corpo. Ou melhor: nada mais do que peitos e uma bunda para você passar as mãos. Aquelas mãos...

    Mãos grandes e magras que me faziam tremer de medo só de olhar para elas. E ao mesmo tempo que eu tinha tanto pavor do que aqueles dedos enormes podiam fazer, eu ansiava por eles me tocando como uma criança implora pela atenção de sua mãe.


    Hoje em dia eu vejo o quanto você era baixo e sujo por querer algo daquela forma, mas ao mesmo tempo me sinto culpado. Afinal, eu pedia. Eu também queria aquilo, talvez tanto quanto você.

    Era tão legal ter alguém mais velho me querendo daquela forma. Eu me sentia bonito, me sentia "descolado", me sentia bacana por estar fazendo algo proibido.

    Mas cara... eu tinha apenas 13.


    As vezes eu sinto que eu sempre tive plena consciência do que você fazia comigo, o que só faz eu me sentir pior. Mesmo que eu me lembre de dezenas de vezes ter tentado me afastar de você, eu sempre fracassava e isso é tão culpa minha. Me pergunto se foi mesmo você, ou fui eu o causador do meu próprio sofrimento.


    Eu sempre fui arte, sempre fui a parte mais pura e genuína da minha própria essência, e eu achava isso tão belo em mim. Eu ouso dizer que eu me amava, pois conseguia ter humanidade comigo mesmo, por mais que tão pouca.

    Você nunca enxergou o quadro vívido e psicodélico que eu era. Nunca passou os dedos na minha tela, nunca sentiu a textura da minha tinta seca, nunca observou com cautela a assinatura do artista. Você nunca se interessou em saber o meu significado.

    E na verdade, você até conseguia ver um pouco de arte em mim, tanto que me obrigou a me tornar aquilo. Mas infelizmente, o meu coração não chama de arte o que me opõem. Eu nem sentia que aquela arte era para mim, e se algum dia me identifiquei com ela, eu estava fazendo pelos motivos errados.


    Você, com tantos socos e pauladas, enfiou na minha cabeça que aquele visual era a minha cara. E foi num ponto que eu só conseguia me achar belo se eu estivesse belo aos teus olhos também. Porque o meu cabelo já não me pertencia, os meus olhos não me pertenciam, minha voz não me pertencia, minha personalidade não me pertencia, minhas roupas não me representavam, e minha pele estava implorando por um pouco de hidratante e cuidados porque eu usava tanta maquiagem... Já não era sobre mim.

Para: Todos De: NinguémOnde histórias criam vida. Descubra agora