Para: Todos De: Ninguém

Querido hóspede,

    Me lembro como se fosse ontem quando te achei andando pela avenida, numa noite escura e fria, com suas mechas loiras refletindo a luz do luar, balançando com o vento. Você tinha confusão transbordando nos olhos, e as suas pupilas me contavam cada coisinha que você sofreu nos mínimos detalhes. Não precisava dizer nada, sua boca mal se mexia e eu já tinha certeza que precisava te proteger. Quando dizia algumas breves palavras, sua voz soava como o canto de um pássaro mágico que massageava os meus ouvidos. Apesar disso, conheci mais de você pelo olhar do que pela fala, e para mim isso foi tão forte, foi a mais pura conexão.

    Eu te levei de carro e pude conhecer um pouco do seu gosto musical no rádio. Era tão diferente do meu, mas de alguma forma me agradou. Toda a sua diferença me encantava, era como explorar um novo mundo. E seu rosto de perfil encarando as luzes da estrada pela janela só me fez ter mais certeza que a sua companhia era tudo o que faltava na minha vida pacata.

    Quando entrou em casa, fiz questão de te mostrar tudo. Absolutamente tudo. Mostrei as áreas mais sujas, as quais eu não dava conta de limpar direito. Eu mostrei até os defeitos mais difíceis de resolver, todas as goteiras, infiltrações e descascados na pintura das paredes. E apesar dos defeitos, você pareceu gostar da minha casa. Parecia aconchegante pra você, e eu fiquei feliz. Disse brevemente sobre as outras casas que já havia morado, e todas elas pareciam bem piores do que a minha. Mas só disse isso, e eu não vou perguntar sobre, porque afinal, nunca iria querer incomodar meu mais novo hóspede.

    E então, você decidiu ficar.

    E você não precisava fazer nada. Nunca precisou lavar uma louça, varrer um chão ou fazer uma comida. Eu fazia tudo com um sorriso no rosto, porque só a sua companhia já era tudo o que eu precisava, então desde que você estivesse ali, tudo estaria perfeito.

    As primeiras semanas foram tão incríveis. Conhecer-te mais a cada dia era como viver um sonho. Você era um universo que funcionava de maneira esplêndida, algo que eu nunca poderia criar na minha imaginação. Você era além da minha compreensão, e eu fiquei muito feliz sendo um tolo tentando te entender.

    Não demorou nem um pouco para eu me acostumar. A casa tinha seu rosto, a cama tinha seu cheiro, minhas roupas tinham seus fios de cabelo, e meus lábios queriam o seu gosto doce a todo momento.

    Era tão bom te abraçar ao dormir e acordar com seu rostinho inchado de manhã, me dizendo um bom dia preguiçoso com uma voz dormida, e depois, já mais despertado, me agradecendo pelo café da manhã.

    Era mágico.

    E com alguns meses morando juntos eu fiz o jantar mais delicioso do mundo, com uma mesa decorada especialmente pra você. E então fiz o pedido mais importante da minha vida:

    "Hóspede, querido hóspede. Eu já não me vejo nessa casa sem te observar andando pelos cômodos. Pensar em não dividir uma refeição com você agora me parece um pesadelo. Desde o dia em que te conheci naquela avenida eu sabia que você mudaria tudo, e eu nunca estive tão certo. Minha casa é mais colorida, minha vida é mais movimentada, e eu sou muito mais feliz. Você gostaria de oficialmente se tornar, não mais um hóspede, mas um morador desta casinha a qual você conhece todos os cantos como a palma da mão?"

    Para a minha surpresa e a surpresa das noites em claro que passei tomando coragem e planejando esse pedido, sua resposta foi a mais bela que eu já pude ouvir: