Me desculpe, leitor,

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(aviso de gatilho: auto cobrança e depreciação)


    Eu gostaria de pedir desculpas. Desculpas pelos meus vacilos, e desculpas pelos meus surtos que vem depois dos meus vacilos enquanto eu peço desculpas... pelos vacilos.


    Isso é bem curioso. Eu cresci ouvindo que desculpa não resolve, e adivinha? Eu continuo pedindo. É quase como se pedidos de perdão sustentassem metade do meu vocabulário. Eu sou poliglota em me lamentar e eu sei mais sinônimos pra isso do que nomes que dão pra tangerina... ou mexerica, ou bergamota. Ou talvez o pão francês que pode ser pão de sal, pão careca, e até mesmo "cacetinho".


    E eu uso tanto a frase "eu sinto muito" que às vezes eu nem tenho motivos para sentir esse tanto. Não é como se não saber o porquê eu sinto muito me fizesse sentir menos que muito. Eu continuo sentindo, e sentindo muitas vezes muito mais do que esse muito que sentem.

    É só que eu acabo me maltratando e me culpando demais, então a forma de tirar essa culpa das minhas costas seria te oferecendo uma boa dose de desculpas com limão. Mas o azedo do limão sempre congela a minha face, e eu percebo que quem azedou o líquido não foi o limão, mas sim eu! Fui eu que azedei por pedir tantas desculpas, e após isso, a novidade: eu ganho mais culpa.

    E quando eu me sinto culpado, o limão que eu usei na dose, o meu próprio eu faz questão de pegá-lo e passar com gosto na minha pele e depois me expor ao sol por horas, por que na visão dele (a minha visão) é só isso o que eu mereço. Sendo assim, sentir muito é uma forma de imaginar que vou ser mais misericordioso comigo mesmo.

    Um spoiler: minha derme continua queimando no sol quente.


    E falando novamente do meu pedido de desculpas, eu gostaria de pedir desculpas por ser tão quebrado. Sinceramente, eu não faço sentido nem na minha própria cabeça! Eu sou quebrado da cabeça, e o quebra-cabeças que sou eu não está nem metade completo na mesa. As peças faltando são muitas, e se você consegue ver um terço da minha imagem borrada, parabéns! Já é uma grande vitória.

    É difícil me decifrar e me completar, ainda mais depois que tanta gente mexeu nas minhas partes. Já foram levadas embora, roubadas descaradamente, algumas conseguiram quebrar, e umas duas peças, com muita sorte, foram customizadas por mãos belas e delicadas que pintaram borboletas no meu papelão velho e amassado.

    Eu já passei na mão de tanta gente, e devo confessar que é até divertido ver as pessoas tentando me montar...


    ...Até o momento em que elas desistem...


    A reação da desistência é sempre a que mais me estraga. Alguns saem chorando, molhando meu papelão com lágrimas e eu sinto muito por sua tristeza. Alguns saem apáticos, largando-me bagunçado num canto e eu sinto tanto por ter sido uma perda de tempo. Alguns se irritam e batem na mesa, jogando minhas peças para longe e eu sinto, eu sinto demais pela sua ira, mas eu não tenho culpa!

    Eu não tenho culpa...


    Se eu pudesse escolher ser um quebra-cabeça simples de dez peças eu não pensaria duas vezes. Observar o rosto das pessoas felizes ao ver a minha imagem completa era tudo o que eu mais queria... mas infelizmente eu nunca poderei sentir algo do tipo.

    A felicidade não é feita para brinquedos de crianças bagunceiras.


    Eu só queria não servir mais de descarte, queria sentir que de algo faço parte, que meu coração não se irrite e faça alarde, e eu nem sabia que eu ia rimar nesse texto, porque essa não era a intenção principal e, sei lá... baleia-jubarte(???). Só agradeço por eu ainda saber transformar meu temporal em arte.


    Voltando pro assunto do porquê estão me faltando pedaços, é uma história tão longa que eu terminaria de te contar só na segunda primavera do ano. Sim, a segunda.

    Acontece que eu sou um quadro em chamas na terça, quarta e quinta, com minha tinta derretendo e minha madeira queimando, virando cinzas. Ou, eu sou uma tela que ainda está sendo pintada nas sextas, sábados e domingos, mas meu artista é tão indeciso que está sempre mudando o rumo da minha pintura. Ele aproveita meu espaço em branco e começa um esboço de uma menina, em seguida me colore inteiro e resolve que vai fazer frutas numa cesta, mas depois de colorir a tela inteira pela quinta vez ele nem sabe o que fazer e está me desenhando com seu próprio sangramento nasal enquanto olha de canto a sanidade saindo de fininho por uma porta de madeira (eu também sinto muito por ele).

    Na segunda-feira o meu artista nem sequer existe, e eu estou sozinho na sala de artes, chorando e pedindo desculpas por colocar a mim mesmo sozinho neste cômodo.


    Eu sinto muito por mim, que nunca serei apreciado, nunca serei tocado e analisado cautelosamente, nunca serei colocado na entrada do salão principal, e nunca terei meu significado compreendido por alguém que se interesse.

    Mas se algum dia eu tiver tudo isso, eu sei que também vou sentir muito. Sentir muito por não ser um merecedor, e eu se sou, sinto muito por não me achar um.


    Acima de tudo eu gostaria de pedir desculpas por pedir desculpas. Porque a partir do momento em que eu me torno esse disco arranhado de lamentações, eu sei que mais ninguém vai me colocar pra tocar.

    Ninguém mais vai dançar lento a minha canção, e eu não serei mais música de casamento.



    É apenas irônico demais querer ser amado, mas pedir desculpas quando o amor finalmente beija as minhas mãos e me convida pra dançar.


Com remorso,

Quebra-cabeças.

Para: Todos De: NinguémOnde histórias criam vida. Descubra agora