Prólogo

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— Tem certeza, Vida? – Minha voz saiu fanha e meio distorcida.

Os corredores da Heppni nunca foram tão longos. Também pudera, eu estava com o celular na orelha, capacete cinza na cabeça querendo cair e um hambúrguer na boca.

Eu estava um caos e queria muito matar meu chefe por me colocar em mais um empreendimento.

— Tenho sim, fofo.

Parei a poucos metros do elevador e respirei fundo. Mariane sabia bem que eu detestava quando ela me chamava assim e ela fazia questão, só para cutucar a onça com vara curta. Aliás, vamos tirar esse último termo porque aqui é o oposto disso.

— Mariana cara de banana! – falei em um tom mais alto e sua sonora gargalhada fez meus próprios lábios se repuxarem.

Era impossível ficar com raiva dela por mais de um minuto. Nos conhecíamos desde os seis anos de idade e desde então estamos juntos.

Na infância prometi aos nossos pais que a protegeria. Na adolescência, prometi que a amaria. Agora, adultos, prometi a Deus que permaneceríamos unidos para todo o sempre.

— Tão adulto você, marido. – Já esperava sua resposta espirituosa e sorri um pouco mais.

A ciência diz que as mulheres amadurecem primeiro, eu faria um pequeno adendo: homens nunca amadurecem, realmente. Qualquer oportunidade que tenha de zombar, caçoar ou simplesmente arrancar sorriso de alguém, ainda que seja na forma de um apelido de infância, que deixava sua amiga de escola brava, você falará.

— Bem, eu faço o que posso. Se isso garantir que você sorria mais, pinto até minha cara de branco e coloco o nariz vermelho.

O dedo indicador foi ao botão do elevador e meu chefe foi se aproximando.

— James, tudo certo para hoje à tarde, não é filho?

Ele era cego? Eu estava ao telefone com minha amada esposa, tendo um momento fofo – não diga esse termo a ela – e esse chato interrompendo, me fazendo fechar o semblante e azedar meu clima.

— Sim, senhor Baldur.

— Você nunca confundiu e o chamou de balde? – questionou Mariane ao telefone e não reprimi o riso, que saiu espontaneamente e quase sujou meu chefe com o molho do hambúrguer.

— Tudo questão de origem, Vida.

Não entrei em detalhes, mas tudo aqui na empresa gritava Islândia. O nome dele era Baldur que significa senhor ou príncipe, como ele mesmo adorava falar quando alguém estranhava seu nome.

E a empresa? Heppni significa sorte. O filho da puta – sinto muito pelo termo pejorativo, espero que você não seja uma pessoa sensível – ganhou um jogo milionário na Islândia, mas se apaixonou por uma arquiteta brasileira e assim surgiu a construtora Heppni.

O elevador chegou ao térreo, onde Baldur desceu e continuei, pois, teria que ir até a garagem pegar meu carro.

— Desculpe esse momento incrível da quebra de clima.

— Também tenho chefe, James.

— Você é bibliotecária. Seu chefe nem nota você, aliás, só quem pega e devolve livros, sabe de você.

Apertei o alarme e visualizei as luzes do meu sedã no breu da garagem. Era um absurdo uma das maiores empresas construtoras de São Paulo, fazendo projeto para fora do país e uma garagem capenga daquelas.

Eu (não) me lembro [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora