"Sempre há outra chance, uma outra amizade, um outro amor. Para todo fim, um recomeço." (Antoine de Saint-Exupéry – O Pequeno Príncipe)
Essa é uma das poucas vezes na vida onde o cheiro envolvente do café não me conquista tanto a ponto de me relaxar. Olho o nascer do sol da pequena janela do apartamento da mãe de Valéria e contemplo mais um dia nascendo.
Para muitos, essa cena inspira pensamento motivadores de recomeços, de mais uma chance, dar a volta por cima... A mim, causa apenas pânico.
"O que vou fazer agora?"
Está aí uma pergunta que vários adultos já se fizeram em várias fases da vida. Por vezes, isso é meio retórico, hoje não. Eu realmente preciso saber o que fazer. Não posso ficar aqui com William, mas também não posso voltar para nossa casa.
Casa... Será que é de Felipe mesmo?
"João Felipe" – minha mente zomba de mim.
Poderia continuar as analogias e metáforas e comparar meu estado atual com um trapezista ao saltar metros de altura, ou ainda um alpinista descendo um penhasco. O curioso é que, apesar da adrenalina do perigo de cada um, no fundo eles têm o chão. Eles têm a base segura.
Eu não tenho nada.
O pouco que eu tinha se relevou como uma mentira.
Ploc! – Até a lágrima salgando meu café recém-coado zomba de mim. Vejo as pequenas ondas se formando no líquido preto e, mais uma analogia me vem: cada gota do oceano é diferente, veio de um lugar e tem sua própria história.
"Você nem sabe qual é a sua!"
— Já acordada? – perguntou Valéria, mas continuei olhando para a janela, perdida em pensamentos.
Eu não queria dizer a ela que não dormi. Além de preocupá-la, poderia soar como uma ingrata.
Finalmente a encarei e vi a piedade em seu semblante. Não queria despertar esse sentimento, mas como ser diferente quando minha vida é uma farsa?
Como posso olhar para a cara de William e dizer a ele que a única verdade que temos é um ao outro? Maldição! Outra lágrima estraga o restinho do café.
Sempre me considerei uma mulher forte e destemida, mas estava cansada de buscar forças no nada. Sem esperar uma única palavra ou permissão, Valéria me abraçou forte e encostei a cabeça em seu ombro, deixando fluir a dor.
Quando meus olhos abriram, vi Will se mexer no sofá e o cobertor cair. O primeiro sorriso do dia veio, mas olhando o relógio acima, eu sabia que precisava levá-lo à escola.
— Vou procurar aquela pensão perto do asilo – comentei.
— Você conseguirá ficar lá até a reforma da minha casa ficar pronta?
Olhei para minha melhor amiga e salvadora. Ela me deu muito mais do que qualquer um faria, mas não queria ser um peso a ela e ainda tinha Will.
Suspirei derrotada. Eu tinha um pouco de economia, mas João Felipe (que estranho pensar nele assim) que guardava. Sabendo agora que nossos nomes são falsos, com certeza não seria num banco. Além do mais, ganho menos de um salário, como vou nos sustentar?
Senti o tic nervoso pulsando em minha pálpebra e já peguei meu remédio na bolsa. Eu precisava, além de procurar uma pensão, buscar um emprego no período da tarde ou um integral.
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Eu (não) me lembro [DEGUSTAÇÃO]
RomanceJames e Mariane se conheceram na infância. Ele era o garoto playboy cheio de amigos e ela a nerd introvertida. Depois de uma brincadeira de mal gosto, James passou a proteger Mariane e essa amizade foi se colorindo, à medida que iam envelhecendo. De...