Fazia dois dias desde a última vez que Leonor Elliot pôde receber o calor do sol em seu rosto. Sua necessidade de trabalhar a privava de desfrutar as casualidades de uma vida qualquer. Seu descanso era apenas durante os sábados, sua rotina era monótona e seu nome era outro.
A história que hei de contar está para um tempo constituído de conceitos que não mais vigoram em nossa sociedade. Uma época onde se prezavam as divindades e ensinamentos bíblicos que, no entanto, estava mais próxima dos infernos do que do paraíso. Sabemos a história deste período por conta da escrita, da arte, da música e dos contos. Podemos tomar o conhecimento de que era uma época tempestuosa, onde a igreja tinha forte influência sobre os fiéis e hereges, e saber que houveram divergências entre períodos de vivência urbana e camponesa, além da privação do conhecimento para maioria das pessoas, o que em suma, caracteriza o medievo como tempos sombrios.
Mas esta não é uma história sobre como eram anos difíceis para os que não detinham poder, sobre como a igreja exercia um papel de controle e muito menos sobre a inequidade extrema da sociedade medieval. Este é um livro sobre mulheres. Deslocadas e destemidas mulheres. Estes anos infelizes da história da humanidade, uma época repleta de injúrias e mazelas, são relembrados, muitas vezes, em contos e estórias. De fato, uma ambientação sombria e majoritariamente europeia, pode ser um chamariz aos olhos de grande parcela dos leitores. No entanto, pensar em idade média por intermédio da arte, seja escrita ou não, é uma ação irônica. Sabemos hoje que a criatividade, um processo de mudança e desenvolvimento, parte do ser humano. A necessidade urgente de algo novo e atraente aos olhos do responsável é algo comum entre todos os homens e mulheres, seja agora ou em centenas de anos atrás. Por ironia, a criatividade não pode ser criada. Nada pode se comparar à inspiração genuína e natural. Trata-se de algo incompreensível, um conceito aberto à diversas interpretações e abordagens, que dificilmente te dará alguma resposta concreta. A criatividade não pode ser definida. Não é palpável. É subjetiva. Mas, para mim, parte do ser humano.
Do mundo, você só conhece o que lhe é apresentado pelos textos bíblicos lidos por padres e o que é visto por contra própria, em feudos ou em cidades. Os prazeres da vida, aquilo que se distanciava do trabalho, do campo de batalha, ou das orações, era restrito à uma pequena parte dessa sociedade, em outras palavras, aqueles que não eram camponeses pobres. O pobre era pobre, o nobre era nobre e assim caminhava a sociedade, sem objeções. A igreja, tendo todo o seu poder, foi responsável por esse acomodamento de classes, uma vez que o papel de pobre era designado por Deus. Leonor não era pobre. Para Domenico, por outro lado, muito faltava.
Agora, com relação ao nosso olhar, iremos redirecionar a um senhor de idade avançada. Suas roupas eram longas e seus olhos pareciam cansados. Ele caminhava de uma maneira lenta e calma, por dentre os campos de um feudo. Nessa época, o sistema feudalista havia causado uma saída do meio urbano para o rural, portanto, tanto camponeses quanto nobres viviam em campos pertencentes ao senhor feudal. Seus pés estavam calçados com sapatos de couro, um sinal de boa condição financeira, e seu vestido era de cor escura. Este rapaz, de aparência quieta e com um ar de cinismo, chega na moradia de um nobre, também instalado no feudo em questão. Estes, a nobreza e o clero, faziam parte do mesmo nível da pirâmide social, estando abaixo do senhor feudal e acima do povo.
Leonor então se pôs a abrir a porta. Seus olhos estavam escuros, seu cabelo estava preso e escondido por um gorro. Ao se deparar com o senhor, este que viria para cobrar o quadro que lhe fora encomendado, a moça se assustou.
Meu senhor, peço que espere mais dois dias. Está quase pronto, portanto, não deveria me apressar tanto. Acredito que irá gostar da minha obra. Fiz com todo o esforço que pude, neste período de três dias. Apenas espere mais um pouco. - disse a donzela, forçando um tom grave.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Heresias de Outrora
Fiksi SejarahO confuso cotidiano de uma artista da Idade Média que se passa por homem para conseguir manter seus padrões de vida, e a mulher-cavaleiro por quem se apaixona.