Capítulo I - Pintarei de vermelho.

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Fazia dois dias desde a última vez que Leonor Elliot pôde receber o calor do sol em seu rosto. Sua necessidade de trabalhar a privava de desfrutar as casualidades de uma vida qualquer. Seu descanso era apenas durante os sábados, sua rotina era monótona e seu nome era outro.

A história que hei de contar está para um tempo constituído de conceitos que não mais vigoram em nossa sociedade. Uma época onde se prezavam as divindades e ensinamentos bíblicos que, no entanto, estava mais próxima dos infernos do que do paraíso. Sabemos a história deste período por conta da escrita, da arte, da música e dos contos. Podemos tomar o conhecimento de que era uma época tempestuosa, onde a igreja tinha forte influência sobre os fiéis e hereges, e saber que houveram divergências entre períodos de vivência urbana e camponesa, além da privação do conhecimento para maioria das pessoas, o que em suma, caracteriza o medievo como tempos sombrios.

Mas esta não é uma história sobre como eram anos difíceis para os que não detinham poder, sobre como a igreja exercia um papel de controle e muito menos sobre a inequidade extrema da sociedade medieval. Este é um livro sobre mulheres. Deslocadas e destemidas mulheres. Estes anos infelizes da história da humanidade, uma época repleta de injúrias e mazelas, são relembrados, muitas vezes, em contos e estórias. De fato, uma ambientação sombria e majoritariamente europeia, pode ser um chamariz aos olhos de grande parcela dos leitores. No entanto, pensar em idade média por intermédio da arte, seja escrita ou não, é uma ação irônica. Sabemos hoje que a criatividade, um processo de mudança e desenvolvimento, parte do ser humano. A necessidade urgente de algo novo e atraente aos olhos do responsável é algo comum entre todos os homens e mulheres, seja agora ou em centenas de anos atrás. Por ironia, a criatividade não pode ser criada. Nada pode se comparar à inspiração genuína e natural. Trata-se de algo incompreensível, um conceito aberto à diversas interpretações e abordagens, que dificilmente te dará alguma resposta concreta. A criatividade não pode ser definida. Não é palpável. É subjetiva. Mas, para mim, parte do ser humano.

Do mundo, você só conhece o que lhe é apresentado pelos textos bíblicos lidos por padres e o que é visto por contra própria, em feudos ou em cidades. Os prazeres da vida, aquilo que se distanciava do trabalho, do campo de batalha, ou das orações, era restrito à uma pequena parte dessa sociedade, em outras palavras, aqueles que não eram camponeses pobres. O pobre era pobre, o nobre era nobre e assim caminhava a sociedade, sem objeções. A igreja, tendo todo o seu poder, foi responsável por esse acomodamento de classes, uma vez que o papel de pobre era designado por Deus. Leonor não era pobre. Para Domenico, por outro lado, muito faltava.

Agora, com relação ao nosso olhar, iremos redirecionar a um senhor de idade avançada. Suas roupas eram longas e seus olhos pareciam cansados. Ele caminhava de uma maneira lenta e calma, por dentre os campos de um feudo. Nessa época, o sistema feudalista havia causado uma saída do meio urbano para o rural, portanto, tanto camponeses quanto nobres viviam em campos pertencentes ao senhor feudal. Seus pés estavam calçados com sapatos de couro, um sinal de boa condição financeira, e seu vestido era de cor escura. Este rapaz, de aparência quieta e com um ar de cinismo, chega na moradia de um nobre, também instalado no feudo em questão. Estes, a nobreza e o clero, faziam parte do mesmo nível da pirâmide social, estando abaixo do senhor feudal e acima do povo.

Leonor então se pôs a abrir a porta. Seus olhos estavam escuros, seu cabelo estava preso e escondido por um gorro. Ao se deparar com o senhor, este que viria para cobrar o quadro que lhe fora encomendado, a moça se assustou.

Meu senhor, peço que espere mais dois dias. Está quase pronto, portanto, não deveria me apressar tanto. Acredito que irá gostar da minha obra. Fiz com todo o esforço que pude, neste período de três dias. Apenas espere mais um pouco. - disse a donzela, forçando um tom grave.

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