O ar seco do deserto arranha sua garganta ao respirar. Toda concentração lhe é necessária naquele decisivo momento onde cinco pequenas pedras semicirculares a separa de seu tão ansiado prêmio. Ao completar enfim o circuito teria em mãos uma coroa solar. Prata suficiente para comprar carne, pão, e talvez uma ânfora de vinho...
- Jogue depressa, não tenho o dia todo! - diz o jovem impaciente. Seus pés descalços levantam a poeira ao caminhar, seus olhos apertados encaram a garota que ergue ao nariz o tecido outrora enrugado sob seu queixo.
- Nenhum de nós tem. - diz o jovem apreensivo, que espreita por sobre o ombro o estranho astro branco pronunciado em límpido céu azul. - É noite de Passagem...
- Lucina... - murmura o pequeno solitário em conto oposto ao trio de arruaceiros.
- Quietos! - brada a jovem netera, o ponto de atenção na área mais remota do mercado.
Após um breve suspiro, Lucina lança as pedras ao ar. Virando rapidamente a palma da mão, ela arqueia os dedos ao máximo de sua capacidade para que, ao repousarem, as pedras permaneçam em seu topo. Um, dois, três segundos e a jovem impulsiona mais uma vez as pedras para o alto, apanhando-as em sua queda, impedindo-as de alcançarem o chão.
Em gesto vitorioso, Lucina beija o punho farto e, com entusiasmo, exibe as pedras que repousam em sua palma.
- Luc Divina que me agracia com sua brilhante luz. - murmura Lucina ao soltar as cinco pedras na areia. - Graças te dou por esta coroa... - suas mãos livres se aproximam da recompensa, no entanto, a surrada sacola de pano é subitamente usurpada.
- Não vou entregar minha prata a uma biltre trapaceira. - diz o jovem ladrão encarando a pequena sacola de prata.
- Cato, aceite a derrota com o mínimo de honra e dê-me meu prêmio. - insistiu Lucina, encarando-o com rispidez. Intensos olhos âmbar, tal qual as dunas para além de Alba.
- O combinado era completar um circuito com o número máximo de pedras que conseguisse apanhar. - Cato caminha lentamente circundando a enfurecida garota, seu olhar voltado aos companheiros, indiferente àquela de quem se aproxima. - Felic apanhou três, Secundo e eu apanhamos quatro e você... uma, duas... - dizia Cato ao repousar um dos pés sobre as duas pequenas pedras mais próximas, afundando-as na areia. -... três.
- Cinco. - corrigiu Lucina.
- Acaso não sabe contar? - Cato esboça um cínico sorriso e então encara um de seus companheiros. - Felic, está vendo cinco pedras? - e continua ao ter em resposta não mais que uma excitação. -Secundo?
- Desempate? - respondeu Secundo.
-Ou podemos dividir a prata, que tal? - diz Cato, juntando-se novamente aos companheiros.
- N-não é justo... ela ganhou de vocês! - brada o pequeno netero, aos garotos que seguem em direção aos mercadores.
- Tite... - Lucina diz finalmente. - ... volte para casa. Depressa! - ao se afastar de seu irmão mais novo, ela empunha o pequeno punhal de bronze que retira de sob o manto que lhe cobre o pescoço. - Não se preocupe, estarei logo atrás de você.
Tite encara extasiado a garota que caminha apressada em direção àquele que a usurpara justa recompensa. Com a força da inércia, Lucina lançara Cato contra uma bancada de frutas. Do corpo debruçado sobre as maçãs, ela recupera a sacola de pano. Ao encarar Felic e Secundo se aproximar, sob a indignação do lesado vendedor, Lucina nota o pequeno, que permanecera no mesmo lugar onde o deixara.
- Rata prostituta! - bradou Cato ao se reerguer. No entanto, ao ameaçar avançar contra Lucina, é impedido pelo mercador enfurecido.
- Acredito que esteja bem claro que alguém terá de pagar. - enfatizou o mercador.
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A ORDEM DA LUZ - contos da genese
FantasiEm tempos imemoriáveis, histórias selarão o destino de um mundo inteiro.