1 - A Viagem

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Ernest olhava para a cena diante de si com dor e lamento. Sua mente convergia com a obrigação de agir como tutor e como amigo. Ele sabia bem pelo que sua querida Heidi estava passando. Era doloroso a ponto de dilacerar. Olhar para a mulher que sempre conheceu como forte e intransigente, e encontrar em seu lugar a criatura mais frágil não era algo bom aos olhos.

Como sempre, ele sentia que nada podia fazer, senão se manter ali, perto, oferecendo em silêncio seu alento e apoio. Era deveras desolador presenciar a cena.

A mulher se mantinha em concha entre os lençóis brancos de sua cama, agarrada ao travesseiro de sua companheira, contorcendo-se enquanto gritava em um silêncio agonizante a dor de sua perda. Os longos cabelos castanhos espalhados por suas costas e tapamdo-lhe o rosto corado e banhado de lágrimas. Sua dor era quase palpável, deixando o ar ao redor do quarto denso, estranho.

Observar a cena e não se sentir impotente era impossível. Não importava quantas vezes ele presenciaria aquilo, sempre se sentiria da mesma forma: incapaz, derrotado. Levava consigo o sentimento de falha. Era como um ciclo vicioso. A cena se repetia e se repetia, e a dor era tão pior quanto a anterior.

Não sabia mais o que fazer, e embora quisesse permanecer ali, ao lado de sua senhora, não podia. Tinha que fazer todos os preparativos para a próxima Viagem. Ansiava por colocar um sorriso novamente no rosto tão belo de sua dona.

Deixando-a com a dor de seu luto, ele se retirou do quarto. Tinha em mente tudo planejado, cada passo, enquanto rumava através do corredor para seus aposentos. Pensava que dessa vez teria sido diferente, que durariam ali por mais tempo, mas sempre se decepcionava.

Tentava a todo custo entender onde estavam errando, mas, por mais que juntasse todas as evidências, não conseguia enxergar o erro. Sabia que falhavam em algo, mas não tinha conhecimento ainda de onde. Não sabia o que poderia ser. Um momento? Uma fala? Um gatilho? O que poderia ser? Não se cansava de tentar descobrir, contudo sua mente exausta não o ajudava. Estava disposto a mudar as coisas para a nova vida. Tinha teorias, mas ainda não sentia que estavam de todas certas. Algo lhe fugia, algo pequeno, mas que se empenharia a encontrar.

Chegando em seu quarto, parou diante da madeira. O grito de tristeza e desespero que ecoou pelo vão do corredor fez doer seus ouvidos. Sua senhora sofria outra vez e ele nada podia fazer quanto a isso.

Trancou-se em seu quarto, rogando aos Deuses que a madeira bruta fosse grossa o bastante para protegê-lo de ouvir o sofrimento de Heidi.

Atravessou o cômodo até passar pela cama e parar diante da parede ao lado. Fez seus sinais e invocou o chamado, como sempre. A estrutura ao redor do quarto tremeu, a luz acima de sua cabeça piscou, e então seus olhos se abriram, brancos e luminosos. Com ambas as mãos, acenou de forma cruzada, fazendo com que os tijolos se desconectassem, abrindo sua passagem secreta.

Ainda em seu modo mago, sentiu suas vestes se transformarem ao longo do seu corpo, fazendo o terno se desmanchar para se moldar em uma túnica branca. O capuz moldou sua cabeça enquanto ele a deixava baixa. Sua boca se movia frenética em comandos e conjurações.

Ao adentrar o que se revelou um quarto escuro com diminutos buracos nas paredes, onde uma luz vermelha os penetrava, parou diante do centro. O círculo no chão já se encontrava ali, com as numerações necessárias em volta. Os leitos permaneciam lado a lado no altar, deixando um único espaço entre eles para o Trono.

Ele sabia que tinha pressa. Quanto mais rápido agisse, melhor a viagem seria para eles.

Caindo de joelhos, fez sua oração como o bom sacerdote de Aisha que era. Invocou sua benevolência e seu amor, indo em busca de melhoria para a próxima viagem. Queria que dessa vez tudo desse certo.

HEIDIOnde histórias criam vida. Descubra agora