Capítulo 70: Caindo no Vazio.

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Kayla

Existe aquele momento do pesadelo, que você sente que está caindo no vazio. Caindo até você acordar na cama, em meio ao susto e com o coração martelando no peito. A parte boa disso é que ele era apenas um pesadelo. Você vai voltar a dormir e no dia seguinte nem vai se lembrar do que aconteceu. A pior parte da realidade, de estar acordado, é que quando você tem um pesadelo, não pode voltar a dormir e esquecer que ele aconteceu. Porque ele está ali, na sua frente, te atormentando. E por mais que você tente dormir, o medo só o deixa mais acordado. Mais vidrado no ponto em que sua vida se torna o maior pesadelo de todos.

—Então quer dizer que você resolveu voltar para casa? —Simon soltou uma risada, enquanto eu ficava de olhos fechados, evitando olhar pra ele. —Como é que dizem? O bom filho à casa torna.

Ele soltou outra risada, que reverberou por todo meu corpo. O bom de estar quebrada, é que você já não sentia mais nada. Não havia mais nada pra sentir, porque o que você tem já foi arrancado de você.

—2000 moedas de ouro é muita coisa. Uma pena os seus amigos não estarem aqui. Poderia dar um jeito de pega-los. Poderia ser difícil, mas eu daria um jeito. —Ele continuou falando, falando e falando. Eu odiava o som da sua voz. Da sua risada. Odiava cada maldita coisa que ele era. —Mas ainda sim, acho que você ainda vai me render uma boa quantia. Depois que eu me divertir com você, é claro.

—Por que? —Minha voz não passou de um sussurro.

—O que? —Ele rosnou.

Abri meus olhos pela primeira vez. Eu estava com as mãos amarradas na cabeceira da cama. As chamas da lareira clareando o quarto. Havia só a cama em que eu estava, uma mesa no canto e um armário. Ao lado da lareira acessa, uma escada. Eu não fazia ideia de onde estávamos. Mas sabia que era o porão de alguma casa.

—Por que você faz isso comigo? Se minha mãe não o satisfaz o suficiente, arruma outra esposa. —Falei, pra no segundo seguinte sentir minha bochecha queimar e virar para o outro lado com o impacto.

—O que você sabe sobre isso? Fugiu de casa e agora anda com dois homens. Aposto que os dois já se deitaram com você. —Ele soltou uma risada sarcástica. —Duvido que qualquer um dos dois faça com você o que eu posso fazer.

Uma lágrima solitária deslizou pela minha bochecha que queimava. As lembranças de Axel e Kenji dançando na minha cabeça como um sonho. Eu sabia que estava quebrada. Sabia que nunca conseguiria ter alguém na vida porque odiava ser tocada. Odiava a sensação de ter uma mão me tocando. O deslizar da pele contra a minha. Eu sabia disso, até conhecê-los. Até perceber que eu ainda tinha algum concerto. Mesmo que ainda continuasse quebrada por dentro. Ainda podia gostar de ser tocada por alguém. Por Axel...

—Você está me ouvindo? —Simon subiu na cama, agarrando meu rosto e me fazendo encara-lo. Os olhos dele queimaram meu rosto. —Não vai implorar por favor dessa vez?

Eu pisquei, sentindo o efeito daquelas palavras como um choque elétrico que percorreu todo meu corpo. Mordi minha língua, até sentir o gosto de sangue. Então cuspi nele, vendo ele se afastar, chocado e furioso, antes de acertar outro tapa no meu rosto.

—Quando você morrer, não vai ter ninguém pra chorar por você, Kayla. Porque nem mesmo sua mãe te ama. —Simon afirmou, apertando meu queixo. —Você não será lembrada por ninguém. Vai ser uma lápide esquecida em algum cemitério.

—Não. —Falei, vendo os olhos dele ganharem um tom intenso de raiva. —Você vai ser esquecido, Simon. Porque minha mãe também não o ama. Então também não terá ninguém para chorar por você. —Consegui abrir um sorriso, mesmo que o menor de todos. —E você sabe que eu tenho razão. Ela não chorou pelos filhos. Acha que vai chorar por alguém como você? Ela vai e dar graças...

Outro tapa. Mais forte e que queimou até mesmo a minha garganta. Virei o meu rosto, os tremores de repulsa tomando conta de mim. Simon agarrou meu pescoço, apertando e me deixando sem ar.

—Implore! —Mandou, apertando meu pescoço. Puxei meus braços do aperto das cordas, sentindo meus músculos tremerem com a força que eu os puxava. —Eu quero ver você implorando!

Fechei meus olhos, que estavam se enchendo de lágrimas. Não iria implorar. Não iria implorar nunca mais. Pra Simon ou pra qualquer um. Nunca mais.

—Implore! —Exclamou, apertando ainda mais, fazendo minha boca se abrir em um grito silencioso.

Arfei, puxando o ar com força, relaxando meus braços e tombando minha cabeça no colchão. Simon já não estava mais em cima de mim. Eu podia ouvir sua voz choramingando no chão do quarto, enquanto o corpo de um lobo negro imenso o prendia ali.

—Olha só, irmão, parece que chegamos bem na hora da festa. —A voz de Kenji preencheu meus ouvidos, fazendo um suspiro sair dos meus lábios.

Ergui a cabeça, com meu pescoço ardendo a cada puxada de ar. O quarto estava tomado por sombras, serpenteando pelas paredes e pelo chão, rodeando Axel como se ele fosse um Deus. O rosto dele estava uma máscara fria de fúria e nojo. Kenji estava ao seu lado, um sorriso travesso nos lábios, como se estivesse achado um brinquedo perfeito.

—Gosta de ver alguém implorar? —Axel andou até ele, afastando o lobo e pisando na sua mão. Simon soltou um grito estrangulado, enquanto eu ouvia os estalos dos ossos de seus dedos. —Vamos ver o quanto você implora então.



Continua...

Uma Conjuração de Magia / Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora