O fogo é deslumbrante. Eu sempre costumei observa-lo queimando a madeira flamejante da lareira. Era quente e aconchegante. A ideia de apenas assisti-lo por toda a tarde, sem me preocupar com qualquer outra coisa, era alucinante. Somente me concentrando em ouvir os estalos dos troncos sendo queimados como uma valsa ritmada, enquanto as moléculas do objeto se quebravam.
Mas o fogo era, sobretudo, evolvente demais. Eu me dei conta durante uma madrugada gélida, tão gélida que se não fosse palas chamas, com certeza eu teria congelado. O aquecedor havia quebrado há cerca de uma semana. Nenhum de nós sabíamos que faria o frio mais desumano da história do país. E mesmo que soubéssemos, não teríamos dinheiro para concerta-lo até aquela quinta-feira.
Fora cômico. Não de uma forma boa, devo dizer. Porque horas antes de chegar em casa com as pedras de gelo enfiadas nos bolsos do casaco – minhas mãos –, eu havia descoberto algo tão envolvente quanto a brasa. A intensidade.
Eu sempre fui intensa, tão intensa quanto o ardume a minha frente. Era apenas atear o mínimo de álcool para que eu incendiasse. E não era difícil se dar conta que a qualquer momento eu pudesse o fazer. Talvez fosse por isso que muitas, ou talvez todas as pessoas que eu conheci, chegavam com um galão de gasolina, prontas para me fazer tornar pó.
Eu deitei sobre o chão durante a madrugada insuportável, bem de frente para a estrutura que, para muitos, só costumava ser usada no natal. Senti a ardência no meu rosto, enrubescendo minhas bochechas. Eu estava vidrada demais no quanto as flamas subiam pelos tijolos já muito pretos para serem belos. Então me dei conta de que, por mais queimante que estar naquela distância fosse, não era capaz de me aquecer, não o suficiente. Me perguntei se o problema era eu. Se meu corpo era frio demais para tão pouco fogo. Porque na minha mente, aquilo não era nada.
A minha intensidade fazia com que a grandeza, pra mim tão subestimada, se tornasse minúscula. Nada era o bastante se não tivesse o poder de me matar. Aquela era a única forma de me fazer lembrar que a vida existia. Que aquilo era real. E que na realidade não havia encantamento algum. Porque em meus devaneios mais extraordinários e irreais, nas fantasias que eu criava, era árduo de uma forma extravagante demais.
Há uma beleza suicida na intensidade, assim como no fogo. Aliciante e corrosivo. Fora arrebatadora a ideia de não me aproximar, com a ilusão de que aquilo trouxesse o acalento que, na verdade, só existia dentro da realidade criada em minha mente.
Por míseros segundos, enquanto eu pensava que aquilo seria escaldante o bastante, me trouxe um aconchego momentâneo fascinante. Era confortável. Mas a pele lesionada me trouxe o sofrimento da veracidade aflita que era viver em um mundo irreal.
Então, eu entendi porque eu virava carvão tão facilmente. Compreendi a beleza que era me inflamar e a admiração de me assistirem queimar. Era tão atraente deslumbrar quanto era destrutivo ser.
E foi assim que a ideia do frio se tornou demasiada atraente.
Congelar não parecia mais tão desagradável. Com certeza era menos insuportável do que ser uma constante emissão de carbono eminente.

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𝐴 𝑙𝑖𝑏𝑒𝑟𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑒 𝑢𝑚 𝑞𝑢𝑎𝑟𝑡𝑜 𝑓𝑒𝑐ℎ𝑎𝑑𝑜
PoesiaA liberdade de um quarto fechado nada mais é do que a prova de que, antes de nos abrimos para o mundo, precisamos nos abrir para nós mesmos e nos libertarmos das nossas próprias amarras, limites e medos. Questionar nossos pensamentos, nossas ações...