Meio acordado, meio dormindo

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Acordei com o chão áspero de terra machucando minhas costas. Levantei minha cabeça do colo de Flávia lentamente, esquecendo onde estávamos por um momento. A fogueira acendida por nós para iluminar a beira da estrada, refletia na lateral do carro em que Flávia se encontrava com as costas encostadas, tão linda ainda em seu sono.

O silêncio da vastidão do breu só era quebrado pela melodia natural dos insetos noturnos.

- Me lembrei. - murmurei baixinho, me apoiando nos cotovelos e olhando para o céu cheio de estrelas

A confusão do recém despertar foi dando lugar a clareza de pensamento. Nos encontrávamos quase na fronteira do Espirito Santo com Bahia, quase saindo de uma pequena localidade chamada Itaúnas. Nosso último golpe havia dado incrivelmente errado. Do ganho que esperávamos obter, só nos resultou no final míseras carteiras e bolsinhas, obtidas através de jogos de sedução, às custas de desavisados. Contendo só o suficiente para nos alimentar e abastecer nosso único companheiro, um Ford Roadster 1929.

E saímos fugidos, jurados de morte por um figurão da cidade.

O que acontecia com mais frequência do que seriamos capazes de contar

Não trocaria esses momentos por nada. Juro.

A excitação de obter sucesso, ou a adrenalina da fuga, eram sensações igualmente poderosas ao lado da Flávia. A expressão maliciosa no rosto dela, direcionada somente a mim, sempre quando sabia que mais alguém tinha caído em sua rede. Era preciso uma força sobre humana pra não arrastá-la do local imediatamente, longe o bastante para que ninguém pudesse ouvir nossa entrega total um ao outro

E havia também, é claro, nosso riso imprudente, enquanto juntávamos nossos pertences às pressas. Algo tão costumeiro, que já fazíamos sem pensar. Nos enfiando em nosso carro, parávamos várias horas de viagem depois. Flávia e eu riamos então, até nossos estômagos doerem, trocando beijos sem fim. Sentindo como nunca, que estávamos realmente vivos.

Mas creio que meus momentos favoritos eram alguns desses em que nos encontrávamos agora. Pequenos interlúdios de tempo. À beira da estrada, dormindo dentro do carro, ou em volta de uma fogueira. Como se existisse só eu e ela nesse mundo.

- Guilherme... - o nome saiu pelos lábios, entre abertos por um bocejo, de Flávia.

Desviei o olhar do brilho acima de nossas cabeças, e posei na dona daquela voz.

Flávia se ajeitou até posicionar sua cabeça no nosso saco de dormir, ficou de lado e esticou os dois braços, me convidando a voltar para perto dela novamente. Me arrastei em sua direção, pondo minha cabeça de encontro ao peito dela. Flávia imediatamente deu um suspiro de contentamento, voltando ao anterior estado de letargia, enquanto suavemente acariciava meus cabelos.



*Chega correndo pra adicionar uma nota, dois dias depois de postar o capítulo* :)


Já notaram a inspiração em Bonnie & Clyde, amei. 


As minhas inspirações (pra quem curte), eu recomendo muito os filmes: 

- Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Bala, de 1967

- Ladrão de Alcova, de 1932

Esse filme aqui não foi exatamente inspiração, mas tem a mesma vibe "ladrão chique":

- Ladrão de Casaca, de 1955


Beautiful Crime (FLAGUI 30's AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora