Capítulo 2

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No momento em que pisei na Universidade, um ônibus atrás de mim buzinou alto, chamando minha atenção. Me virei depressa e vi que o mesmo desviava, por pouco, de um pedestre que atravessava fora da faixa, com fones de ouvido sem fio e uma máscara do tipo cirúrgica preta. Depois do quase acidente me voltei pra frente e, respirando fundo, entrei no campus.


Um segurança com olhos muito azuis estava recostado no primeiro prédio da faculdade, segurando um café e parecendo sonolento, caminhei até ele.


"Boa tarde! O senhor sabe me dizer onde fica o auditório de comunicação?" "Bom dia, minha jovem" ele respondeu com um sorriso simpático "é só seguir até o final nessa linha reta e depois virar à direita, primeiro piso, não tem erro." "Obrigada!"


Caminhei até o local indicado com um pouco de pressa, enquanto prendia meu cabelo, sempre volumoso e ondulado, em um rabo de cavalo alto. Chegando ao auditório, para minha surpresa o local estava silencioso, e ao abrir a porta notei que se encontrava deserto.


Eu não estava tão atrasada a ponto de ter perdido a palestra, estava? Olhei para o relógio de ponteiros pendurado ao fundo daquela sala e vi que ele estava errado, mostrava que mal passava das 7:20, não ia me ajudar. Talvez eu estivesse no auditório errado, afinal era um campus grande, saí da sala e chequei a placa em sua porta, era o local certo.


Só se minhas amigas haviam me passado o lugar errado, pensei enquanto abria minha mochila e buscava meu celular para falar com elas. Livro, canetas, jaqueta, carteira, mas nada de achar meu celular, resolvi encostar na parede para ter apoio enquanto procurava.


Notei que ninguém por aqui usava máscara, no Rio realmente já havia sido liberado seu uso obrigatório agora, em maio de 2022, mas ainda não havia estado em algum lugar em que realmente ninguém estivesse usando-as.

"Menina, você é caloura? Tá perdida?" uma menina de cabelos crespos presos por uma faixa me perguntou, enquanto andava na minha direção.

"Oi, não, eu não estudo aqui, vim ver uma palestra aqui nesse auditório, mas acho que me deram o nome do lugar errado."

"Não tô sabendo nada de palestra hoje não, tem certeza que é nesse prédio?"

"Eu tinha, mas acho que tô errada" disse com um riso, ainda revirando minha mochila "tô procurando meu celular pra ligar para as minhas amigas e confirmar."

"Celular? Uau, que chique, uma tia minha tem um celular também, ela morava fora do Brasil e trouxe. Incrível né?"

Sorri pra ela mas imagino que tenha transparecido minha confusão, chique ter celular? O coitado tava quase caindo aos pedaços, já tinha a tela rachada e uns três anos de vida, não entendi o que ela queria dizer.

"Vocês aboliram mesmo a máscara por aqui, né? Lá na UNIRIO ainda tem uma galera usando" tentei puxar assunto enquanto mudava minhas buscas da parte grande da mochila para o bolso externo.

"Máscara?" a menina me perguntou com um riso "Como assim máscara? Tipo de carnaval?"Olhei pra ela em choque, sem saber como, hoje em dia, alguém poderia não saber o que é máscara, mas antes que eu pudesse responder, um garoto de cabelos pretos muito lisos e óculos de grau parou no meio de nós, chamando a menina que falava comigo para conversar com um professor que, pelo visto, eles esperavam.


"Tchau, menina, espero que você encontre sua palestra!""Tchau, obrigada."

Logo que ela saiu me sentei em um banco de madeira em um jardim a minha frente e parei pra pensar, tudo parecia estranho.

A palestra desaparecida, ninguém usando máscara e pior, ela sem saber o que é máscara, a estranheza por causa do celular, além de eu não ter encontrado o meu... alguma coisa parecia fora de ordem. Resolvi olhar a minha volta, buscando respostas.

Parecia uma faculdade comum, jovens que nem eu espalhados, apesar de nenhum deles estar de máscara, usavam calças jeans, seguravam mochilas e cadernos como em qualquer lugar, foi o que pensei antes de olhar a fundo. Prestando a atenção nos detalhes vi que a maioria das pequenas lanchonetes e bares estavam fechados, o que era estranho pra uma tarde de segunda, além de não avistar ninguém usando um celular mas PERA AÍ, ISSO É UM DISCKMAN?? Que isso? dia retrô? Deve ser alguma invenção dessas de veterano que eu não fiquei sabendo...

Uma jovem sentada em um degrau com um cabelo muito vermelho escondendo seu rosto me chamou a atenção. Ela segurava um cigarro com a mão esquerda e tinha um livro apoiado nos joelhos, sua postura me era familiar... talvez já a tivesse visto antes. Meu olhar subiu para a faixa estendida alguns metros acima da cabeça da menina:


"VOTEM para o novo reitor de 92!"

Pisquei algumas vezes e até esfreguei os olhos, mas não tinha como confundir 22 com 92, alguma coisa realmente estava errada. Ainda sem acreditar no que acontecia, desci os olhos para a ruiva que lia e a observei dos pés a cabeça.

Uma bota de salto plataforma preta, calças jeans de lavagem clara e uma regata preta, ao lado dela uma grande bolsa do que parecia falso couro descascado. Agora o livro cobria exatamente seu rosto "Tristão e Isolda", por coincidência o mesmo que eu tinha na mochila, mesma edição, apesar do meu já estar bem mais gasto e acabado, por já ter passado da minha mãe para mim. Minha mãe... curioso.

A menina fechou o livro, marcando sua página com o dedo, e tirando o cabelo, tão volumoso quanto o meu, apesar do tom vermelho vivo diferenciando e brilhando no sol, do seu rosto, antes de tragar o cigarro e soltar o ar com calma.

Puta que pariu. É a minha mãe. Não minha mãe de 50 anos visitando sua antiga faculdade, minha mãe de 20, com cabelos que iam até a cintura, o mesmo livro que eu carregava na bolsa, apesar de 30 anos mais novo, e assustadoramente parecida comigo, sentada aqui, na minha frente.

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⏰ Última atualização: May 03, 2022 ⏰

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