UM JARDIM DE ROSAS

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O amor é um mergulho profundo dentro de si mesmo.

Certa manhã, sentava no banco de um ônibus, quando, de repente, ouço, ao fundo, um choro. Discernia a melodia dramática mesmo em meio ao fuzuê de vozes do transporte público. Levanto, já com pressa, e busco sua origem. Institivamente, olho aos lados, observo, até quase me perder. Ando por entre as fileiras, desesperadamente.

Escondida em meio aos acentos reservados, aqueles que ficam para trás das cadeiras altas, estava uma menina loira, de mechas claras e olhos cor de mel. As lágrimas escorriam pelas bochechas grandes, deixando um rastro rosado por onde passavam. As pálpebras inchadas e vermelhas pediam socorro, clamavam por apoio.

Dei-me conta da situação e vendo a vacância dos acentos próximos, sentei ao seu lado, oferecendo um lenço que carregava na mochila. Sem remediar, ela levou-o ao rosto, tirando as poças de gotas que se acumulavam. Algumas fungadas se passaram até que, um tanto preocupado, perguntei: "Melhor?", sem perspectiva de receber um sim.

Recebi mais do que isso. Sua resposta - "Não vejo como poderia piorar" – foi um tanto inesperada, mas, o detalhe é que ao proferi-la a menina deixou escapar, pelo canto dos lábios, o mais belo de seus atributos: o sorriso. Um vermelho profundo, que contrastava com o branco de impecáveis dentes e com a transparência de uma pele que faria a própria Branca de Neve duvidar de si.

Um pedaço do paraíso em forma humana. Nenhum artista jamais teria chegado a tamanha perfeição. A mim, fora o suficiente. Já estava entregue aos seus encantos. Já não mais pertencia a mim mesmo e nada, nada que eu fizesse, me levaria longe deste caminho que agora trilhava com gosto, mesmo sabendo da amargura que espreitava.

O criador me testava. E, eu, ingenuamente, me permiti levar, ou melhor, me permiti ser levado, pelos ventos da mocidade. Os jovens acreditam em amor, mesmo sem entender o que é a eternidade. Os jovens, esses bobos, não veem que paixões não sobrevivem. E pulam nelas, como em piscinas de águas termais.

O pior de tudo foi que ela viu meus olhos brilharem. Viu como eles se encontraram nela e se sentiram completos. Viu o que havia acontecido, e entendeu o que aquilo significava. Desde o primeiro segundo, ela entendeu tudo, e eu, não entendi nada.

Ouço os freios do ônibus, e pela janela, enxergo as placas da rodoviária. Acuado, sabia que era esta a reta final, o último momento. Ao voltarem a ela, meus olhos se espantaram com sua pressa. Assim que se abriram, ela correu porta a fora antes que eu pudesse sequer pensar em segurá-la.

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