Eu abri meus olhos aos poucos à medida que a luz se dissipava e até hoje não consigo descrever a sensação que tive ao perceber que estava no quarto do Noah e que o via saudável na minha frente. Se pudesse explicar seria um misto de alegria e confusão, o que é uma combinação muito estranha de emoções.
— Pai! — Ao ouvir essa voz eu não pude conter minhas lágrimas. Abaixei minha cabeça e as deixei escorrer pelo meu rosto.
— Pai, está tudo bem? — O garoto perguntou. Nisso eu corri para onde ele estava e o abracei.
— Noah, é você mesmo? É você mesmo meu filho?
— Claro que sou eu, pai. Que pergunta estranha. Vamos brincar?
— Mas você não se lembra do aciden... — eu havia pensado melhor e resolvi não dar essa informação.
— Do que você está falando pai? Vamos parar com essa conversa chata. Por favor, vem brincar comigo.
Suspirei e cedi ao pedido de Noah mesmo estando bem desconfortável com a situação. Com o passar do tempo eu comecei a descontrair e nos divertimos muito. Falando em tempo, perdi a hora de voltar ao serviço e quando percebi isso quase saí correndo. Porém, antes que pudesse tocar a maçaneta, Noah me perguntou:
— Você vai embora, pai?
— Eu preciso, Noah. Estou atrasado para voltar ao trabalho.
— É claro, sempre isso. — Ele respondeu chateado
— Eu preciso trabalhar para conseguir uma boa vida para você. Por favor entenda isso.
— Eu entendo, mas você vai voltar, não vai?
— É claro que vou voltar. — Eu disse o abraçando bem forte — Nós vamos brincar de novo amanhã, você vai ver.
— Você não vai parar de brincar comigo por causa do trabalho, vai pai?
Essa pergunta doeu meu coração e fiquei envergonhado.
— Noah, eu não vou deixar de brincar com você por causa do trabalho e nem vou deixar você aqui sozinho. Eu vou voltar amanhã. Você confia no papai?
Ele assentiu com a cabeça e nós nos despedimos calorosamente. Girei a maçaneta da porta do quarto e mesmo com a dúvida de que aquela passagem iria me levar de volta ao local de trabalho, passei por ela e me deixei ser ofuscado pela luz mais uma vez.
Ao pensar em tudo o que aconteceu naquele lugar e principalmente encontrar o meu filho saudável novamente me deixou muito desestabilizado e pensei que o que tinha visto através da porta era alguma alucinação da minha cabeça.
Fiquei aliviado ao ver que voltei ao lugar onde estava antes e corri para o meu escritório. Porém, acabei cruzando com meu chefe que ficou muito bravo ao ver que eu estava voltando ao trabalho quase no fim do expediente. Tive de mentir dizendo que aconteceu uma emergência e jurar que isso não ia acontecer de novo. O seu Arnaldo não falou nada, mas creio que ele não acreditou no que eu disse.
Mal pude me concentrar em minhas tarefas ao pensar em tudo que ocorreu atrás daquela porta. Depois de ver meu filho naquele quarto outra vez, mesmo sem entender, acreditei que aquilo era um sinal de que ele eventualmente iria melhorar e logo estaríamos juntos de novo. Por isso fiquei muito ansioso para retornar ao hospital no horário de visitas.
Ao final do expediente pude enfim conferir se aquilo que eu pensava era verdade. Para minha surpresa, ao chegar no quarto em que meu filho estava, vi que ele estava do mesmo jeito que no dia anterior. Até conversei com o doutor Gael e com os enfermeiros, mas todos disseram que não houve nenhuma alteração no quadro dele até aquele momento, mas ao mesmo tempo foi constatado que o Noah estava normal e que a hipótese de morte encefálica foi descartada. Mesmo ao saber disso fiquei frustrado e ainda mais confuso.
Fui ao trabalho no dia seguinte completamente distraído de tudo, mas ainda assim tentando exercer bem o meu trabalho. Depois de ajeitar as pendências com meus colegas, percebi que já era o horário de almoço. Enquanto pensava em como fazer minhas obrigações daquele dia até o final do expediente, percebi que a porta estranha estava no lugar de sempre e pensei em entrar por ela novamente, mas não o fiz.
Depois de constatar que o meu filho estava da mesma maneira que o encontrei antes de entrar pela porta percebi que Noah não estava melhorando como pensava, então o que tinha visto era claramente uma mentira. Eu estava me iludindo ao me deixar levar pelo acontecimento de ontem e queria manter os pés no chão ao invés de ir atrás de fantasias.
Mas querer ficar na realidade me deixava muito triste, pois queria mesmo poder ver o meu filho da maneira em que estava por detrás da porta. As coisas não podiam continuar daquele jeito. Queria poder desabafar com alguém sobre isso, mas se o fizesse essa pessoa pensaria que eu com certeza estava maluco. Enquanto divagava Ariadne, minha melhor amiga me convidou para um almoço. Aceitei só para ser gentil.
Nos conhecemos enquanto eu estava preparando a papelada para trabalhar naquela empresa dois anos antes. Ela trabalha até hoje na área de recursos humanos e sempre foi simpática. A nossa amizade despertou ciúmes sem fundamentos em Mina minha falecida esposa. Apesar de nossa intimidade tive dificuldades em me comunicar com ela naquele dia.
Ela comentou que eu parecia muito disperso e me perguntou o que me incomodava naquele momento. Tentei desviar a conversa para outro assunto, porém ela, tocando em minha mão esquerda, comentou:
— Eu sinto que você precisa desabafar Marco. O que está acontecendo? E não adianta tentar me enrolar desta vez.
Não respondi de imediato. Desviando o olhar da minha amiga, pude observar as pessoas e os detalhes do restaurante. Ariadne, ao ver minha dispersão, falou:
— Tudo bem, já vi que você não quer conversar sobre isso. Não precisa falar se não quiser.
— Não é isso, Ariadne. Eu quero explicar, mas é algo tão complicado. Imagine se você visse algo que não conseguisse explicar, como você falaria com as pessoas sobre essa experiência? E como lidaria com o olhar estranho das pessoas que acham que você ficou louca? É assim que me sinto.
— Entendi. E por isso você não consegue me falar sobre o que está te perturbando?
— Exatamente! Desculpe por não conseguir falar com você sobre esse assunto.
— Você não tem que me pedir desculpas. A escolha é sua de compartilhar o que está acontecendo ou não. — Inexplicavelmente para mim ela estava sorrindo quando disse aquilo.
— Muito obrigado por entender.
Nós passamos a conversar sobre outras coisas. Sobre a nossa vida, sobre o trabalho, enfim. Depois de voltarmos para a empresa e para os nossos locais de trabalho, continuei a pensar sobre o que tinha acontecido no dia anterior. E se, de alguma forma, o garoto que vi através da porta fosse realmente o meu filho? E se ele estivesse tentando se comunicar comigo? Não, aquilo não era possível. Como uma porta estranha daquelas aparece do nada e me leva até o Noah? Aquilo só podia ser um sonho.
Mas aquela situação me intrigava e a porta não deixava de estar ali. Na saída do trabalho vi que ela ainda estava lá. Ao entrar no quarto do meu filho durante o horário de visitas daquele dia, eu segurei a mão dele e fechei os olhos. Meditei sobre a situação e vendo o meu filho ali naquela cama, sem poder fazer nada, decidi que valia a pena investigar o que estava acontecendo, o que essa porta significava e se era realmente o Noah que estava ali tentando se comunicar comigo. Não custava nada fazer isso e aquela foi a minha decisão e estava convicto disso. Eu ia ter o meu filho de volta!
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A Porta
Ficção GeralO que você faria se visse uma porta que nunca tinha notado e que ninguém parece se importar com ela e que na verdade sabe que não ela deveria estar ali? É com essa dúvida que Marco, um gestor de finanças tem que lidar. Imerso em um trabalho que ama...