Uma Longa Noite

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            A escuridão já havia tomado conta do Teatro. Para sair daquela penumbra, Mauá coletou um balde, encheu-o de palha que havia espalhada pela obra do teatro, e com um fósforo, improvisou ali uma fogueira. Como qualquer outra noite do Rio de Janeiro, essa não era lá das mais frias, de modo que a fogueira servia mais para trazer alguma luz àquele ambiente escuro do que para aquecê-los.

Fome e sede. Bastou passar-se algumas horas naquela inquietude que o organismo de Teresa parecia ter começado a implorar por comida e algo para beber. Quando em toda a agitação do tumulto, Teresa Cristina sequer havia pensado nisso, e agora seus pensamentos se voltavam para o jantar na Quinta, para as refeições que a estava esperando se tivesse chegado em casa a tempo...

Quando percebeu, havia uma mão estendida a si.

Era o Barão de Mauá. Carregava uma barra de chocolate na mão. Ela sorriu.

-Não imaginei que um homem de sua estirpe andasse com chocolate no bolso... – tomou a Imperatriz, com uma grande felicidade estampada no rosto por estar diante de algo para comer. Recebeu do deputado uma risada.

-Trata-se de uma cortesia do tratante inglês que está lá em cima. Estava no bolso do terno dele quando o revistei. Creio que ele não vá precisar.

Era um chocolate importado, percebeu a Imperatriz. Apesar da barra não ser das maiores, a Imperatriz a partiu ao meio, oferecendo metade ao Barão, que em seguida protestou.

-Esse pedaço é pequeno demais para saciar sua fome, Imperatriz. Pode comer o chocolate todo.

-Mas você também deve estar com fome.

-Mas...

-Por favor, eu insisto. – disse Teresa Cristina, com maior firmeza na voz. Uma firmeza que lhe era bem familiar a Mauá. Conhecia bem aquele tom de voz graças ao Imperador Dom Pedro II, que sempre o usava para se impor quando em um embate com o Barão. Tal qual aconteceu quando Mauá insistiu para que um comitê internacional resolvesse a crise com os ingleses. Era o tom de voz típico dos monarcas que não gostavam de ser contrariados, e quem seria ele para fazê-lo?

E assim, com relutância, aceitou o chocolate.

Havia um problema no chocolate, sabia o Barão. Sempre que comia, sentia sede. Esperava que a Imperatriz não sentisse o mesmo. Ledo engano.

-Acaso o inglês não carregava água consigo? – sondou a mulher.

-Infelizmente não. Mas eu tenho cá comigo algo para beber. Só temo que não seja de agrado de Vossa Majestade...

-Por favor, não se refira a mim de modo tão formal assim o tempo todo. Pode me chamar de Teresa Cristina, ou apenas Teresa. – pediu Teresa, enquanto o Barão retirava do bolso de seu terno um cantil. Já imaginava o que ele carregava: uísque. O Barão chegou a gesticular em oferecimento, mas depois recuou.

-Tem certeza? – insistiu em questionar o Barão, um tanto temeroso pelo que estava prestes a fazer. Uísque não era uma bebida que combinava com mulheres, e Teresa Cristina, com toda sua clara religiosidade, não parecia sequer beber vinho com frequência. Ainda que o cantil estivesse pela metade, ele temia que ela acabasse embriagada pelo uísque. Se o Imperador soubesse que ele simplesmente ofereceu uísque para sua esposa... Certamente deixaria de ser o Magnânimo para manda-lo direto para a forca.

-Barão... Eu estou com sede. Só vou molhar minha garganta e será o suficiente.

A situação era claramente absurda, mas o Barão estava apavorado. Talvez o uísque fosse o mais forte que o normal, pensou Teresa. Ela, que não tinha o hábito de beber, sabia que havia uísque mais fortes do que outros, e talvez o do Barão fosse daquelas bebidas que desciam mais rasgado que um coice de cavalo. Mas estava com a garganta tão seca que talvez até mijo de cavalo servisse.

O Barão Que Me AmavaOnde histórias criam vida. Descubra agora