A vida passa em um sopro. Eu sempre priorizei o meu trabalho e, apesar de tudo, nunca recebi o devido reconhecimento por isso. Agora, trabalho em algo que detesto e não tenho nenhuma perspectiva do futuro. Afinal, qual futuro grandioso um homem de 47 anos pode ter?
Recentemente, assumi duas cadeiras em uma escola pública do meu bairro. Atuo como professor de Filosofia para 'aborrecentes'. É um cargo estressante e rotineiro. Acho que me acostumei a não contestar tudo o que me acontece. Nos últimos três anos, perdi os meus pais e um irmão. Para a minha alegria (ou não), herdei os terrenos da família, que estão em um estado de desgraça.
Que saco. Todo dia é a mesma coisa. Acordar, levantar, trabalhar e voltar para casa. A solidão é uma companheira necessária. Eu meio que gosto dessa amizade. Eu não faço mal a ela, ela não faz a mim. Assim seguimos em uma harmonia silenciosa.
Dou aula para duas turmas infernais, os 7º e 8º ano. Logo, preciso lidar com adolescentes em suas formas mais vis e manipuladoras. Por causa da minha altura e cara de poucos amigos, sou conhecido pelos corredores do Colégio Espírito Santo como o 'pequeno malvado'. Acho engraçado o apelido, acho o 'pequeno malvado' melhor do que 'lesmático', o codinome que o professor Alfredo de Biologia recebeu.
Eu não permito que os alunos se aproximem de mim. Na hora do almoço, por exemplo, eu prefiro ficar na quietude da sala dos professores, um dos poucos lugares que não deixam a entrada dos estudantes. Alguns colegas gostam de sair para o shopping próximo do colégio, porém, nunca me convidaram. Talvez eu tenha sido grosseiro demais na primeira vez que requisitaram a minha presença.
Hoje, a Lúcia, uma espécie de diarista/amiga preparou uma salada de frango com curry. Eu nem preciso dizer que comi em um tempo recorde. Após saborear esse manjar dos deuses, resolvi entrar em um aplicativo de namoro. A culpa é da Lúcia, que sempre me incentiva a ser mais espontânea.
Criar perfil. Antes de clicar, analiso a logomarca do aplicativo "Finder", que significa "encontrar". O que eu busco? Um relacionamento sério, ficante ou pegação? Nossa, que questionamento mais estranho. É nisso que vai se basear a minha jornada? Respiro fundo e quase desisto. Só que a voz da Lúcia ecoa dentro de mim.
— Foda-se.— digo, antes de clicar em 'inscrever-se'.
Coloquei todos os meus dados e não menti em nenhuma etapa. Altura? 1,68. Peso? 70 KG. Tipo de corpo? Normal. Eu sou? Solteiro. Tribos? Maduro. Procuro por? Encontros, amigos, conversa e relacionamento.
Foto. Puta merda, creio que não tenho uma foto tão legal. Olhei nos arquivos e encontrei algumas opções decentes, obrigado Lúcia, sempre salvando a minha pele. Gosto dos últimos minutos do meu almoço montando o meu perfil no aplicativo. Reviso para ver se não tem nenhum erro.
— Acho que é só isso, né? — digo, respirando fundo e salvando as informações.
Não demora muito e recebo uma mensagem do aplicativo, que me agradece por escolher os seus serviços. Eu devo responder? No fim, escolho não enviar nenhuma resposta e sigo para a próxima aula.
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Ainda dá tempo para amar
RomanceO que é o amor? É um algo puro ou sexual? É palpável ou apenas um sentimento? Durante as nossas vidas, aprendemos os mais diversos tipos de amor. Amamos os nossos familiares, amigos e alguém especial. Mas e se você não se achar merecedor do amor? É...