"I see a little silhouetto of a..."

52 7 4
                                    

Ouço ecoarem pancadas oriundas da porta mais distante, que sela por completo o meu quarto e alcança as nuvens; pesadas nuvens de um firmamento que é o Teto daqueles sobreviventes ao Amor. E o ralhar destas pancadas consegue se enfiar pela frincha no batente do banheiro, onde ainda visto as primeiras roupas.

— Desperte! — grita LP com um timbre passageiro de adolescente e, em certo aspecto ela sempre será, mas desta vez é uma adolescente afobada.

Abro a porta menos da metade que deveria, ainda enrolada na toalha, encarando-a:

— Como entrou? — exaspero-a.

— Seu porteiro.

— Ele reconheceu o carro?

— Todos reconhecem um Mustang.

— Caceta de Mustang!

— Bom, foi o que ocorreu!

— Não me lembro de dar a ordem.

— Nestes dias, você não se lembra de muito, Del Rey!

— E o que é que você quer...?

— Precisas sair! Pôr o rosto no sol! E a bunda também! Essa madrigueira já lhe definhou demais.

Laura senta-se na única poltrona de veludo cinza meio encardido, e meio esquecida, ao extremo do quarto, um assento paralelo ao meu infame espelho; cruza as pernas cobertas por uma calça de couro púrpura – impulsiono cuspir-lhe num dos pares só para arruinar a pavoa que é –, e acende seu afamado cigarro Insígnia. Longo filtro, pouco tabaco – um fumo saudável.

"Você sabe o que dizem, não...?", ouço.

"O que?".

"Que ele adora as malucas."

— Quem...?

— Quem o que?

— Do que estava falando, zureta?

— Nada! — minha penetra contrai as sobrancelhas, erguendo-me os olhos.

O que acabou de dizer?

Ela deu de ombros, alheia a questão.

— Você falou de alguém.

— Estou fumando desde que sentei.

— Nã... Está...?

— Aliás — ele sacou do interior de seu paletó o maço negro —, aceita?

Minha cabeça meneia um não e torno ao banheiro para vestir-me inteira.

— Por veio aqui, Laura?

— Billie!

— O que tem ela?

— É a comemoração...

Qual...?, vasculho minhas lembranças, garimpo qualquer memória, data, promessa que me tenha comprometido.

— Esqueceu?

— Estamos em dezembro...

— Sim. O natal já foi; semana passada. Hoje é a virada, bonita!

— Lá na pequena?

— Claro! Ela preparou tudo!

Deixo o banheiro num vestido leitoso, repleto de seda e passeio ao parapeito da varanda. O vento que sopra contra mim, meu cabelo e as tiras têxteis da veste

. . .

é o mesmo que sopra quando os portais opacos após o gradil desliza, permitindo-nos passagem. A corrente é gelada, obviamente climatizada e consigo ver amigos como Jared, A$AP e Taylor, cada qual em sua panelinha, apesar de que Swift consegue meter-se em qualquer lugar que Kanye não tenha infectado – com seu chernobylesco dedo– e sentir-se entre amigos.

— O que passa contigo, Del Rey?

— Como assim? — à LP torno o rosto.

— Tão dispersa!

— Só estou me adaptando... Faz tempo que não deixo minha casa!

— Nem tanto...

— Um ano, às vezes, parece uma década.

— Essa vocação ao drama...

— Então, tache-me de atriz e se foda!

Laura revirou os olhos numa grimaça condescendente e dirigiu-se ao balcão de bebidas.

Inspirei fundo, inflando o peito até sentir o oxigênio arejando as esquinas mais escusas e apertadas da consciência, então o morno vento da noite beijou-me as costas nuas ao respectivo som da mesma entrada pela qual passamos, abrindo-se novamente.

E eu vi —

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 12, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

GanaOnde histórias criam vida. Descubra agora