CAPÍTULO 3.0

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Meninas, me confundi e coloquei o capítulo faltando um pedaço!!!! Este vem entre o 2 e o 3



— Está preparada? — Encarei Mandy com seriedade. — Sua mãe não vai gostar muito da ideia.

Nem o pai, ou a avó. Eu deveria ter pensado melhor antes de me oferecer como instrutora. Amanda parou para observar com deslumbre o prédio de três andares, ocupando um quarteirão quase todo. Tentei enxergar como ela aquele local: o edifício de pedra cinza, os janelões de vidro e toda a grandiosidade. Seu legado. Apesar de já ter vindo na academia antes, daquela vez era diferente e Mandy sabia disso.

O interior nos presenteou com o frescor do sistema de refrigeração. Por mais amor que tivesse à minha cidade, o calor era quase insuportável. O lobby estava estranhamente silencioso, sempre havia uma ou outra pessoa ociosa pelos sofás vermelhos, tomando um shake ou aguardando a chegada de alguma carona. Mas não naquele momento. Apenas o porteiro me deu um aceno de cabeça. À direita, do outro lado das paredes de vidro, uma pessoa nadava com velocidade impressionante de um lado ao outro da piscina.

Pelo menos, nem todos tinham sido abduzidos...

Mandy amarrava seus longos cabelos negros no alto da cabeça, sem se importar com os arredores, quando um assobio alto me fez olhar para trás. Mila caminhou até mim em toda sua graça e confiança. Sua pele de ébano brilhava com o suor ainda por secar, contrastando ainda mais com o conjunto de lycra lilás que marcava seu corpo. Amanda correu e a abraçou vigorosamente, já esperando ser pega no colo. Percebi, com certo pesar, que aquilo não ocorreria por muito mais tempo. Minha menininha estava crescendo e em breve nos alcançaria. Ela já estava quase da altura de Mila.

— Quando quer, você sabe arrasar!

Mila elogiou a minha roupa de executiva, Mandy sorriu para nós.

— Quando não quer também, tia M.

— Eu adoro essa menina! — Minha amiga beliscou a bochecha da garota e ganhou um olhar atravessado de volta. — Vamos, vocês estão atrasadas. Também estou, mas precisei correr para comprar uma coisa.

Só então percebi que ela carregava uma sacola parda na mão. Mila não quis explicar o motivo de sua distração pela manhã ou para que estávamos atrasadas. Deveríamos subir logo em vez de perder tempo, afirmou.

As pessoas desaparecidas do térreo estavam todas aglomeradas ao redor do telão e amontoadas entre os aparelhos de musculação. Tão concentradas nas imagens exibidas que não notaram nossa chegada.

O vídeo era um compilado de lutas com um único ponto em comum: Victor Bersanni. Eu o conheci quando participamos da mesma olimpíada, assisti das arquibancadas a luta principal que garantiu sua medalha de ouro em judô. Victor era o atleta queridinho do momento entre os conterrâneos.

Para ser honesta, não só entre os seus conterrâneos... Eu vi a sua luta. Acompanhei e vibrei por ele em cada segundo que o levou à vitória naquela final. Quando Bersanni ganhou a medalha, eu senti uma alegria quase tão grande quanto o momento que eu ganhei a minha. O Brasil era mundialmente conhecido como país do futebol, mas ali notei como os brasileiros também amavam as artes marciais e entendi como vinham tantos lutadores talentosos de lá.

Eu o admirava.

Porém, dizem que quanto mais alto você sobe, maior é a queda. Alguns dias depois de ganhar a medalha de ouro, ela foi revogada. Victor havia sido pego no doping: esteroides. Sua carreira foi destruída e não ouvi mais falar dele por quase um ano. E, assim como o povo brasileiro, a minha admiração por aquele homem se transformou em puro desprezo. Ele era a personificação de tudo o que o esporte rechaçava. E o herói da nação se tornou nada.

— Por que estão vendo vídeos desse perdedor? Ele já deve estar murcho e definhando, igual à sua carreira. — Pretendia falar isso apenas para Mila ouvir. Infelizmente, disse no momento mais inapropriado possível, quando o vídeo parou. Variadas expressões de choque se voltaram para mim. — Qual o problema? Este homem não merece ser lembrado, quem usa de subterfúgios para vencer não tem honra nenhuma.

Mila sussurrou um "cala a boca" e eu não entendia o motivo da comoção, até papai se levantar, o rosto vermelho estampando a vergonha. Ver o meu pai envergonhado era uma oportunidade rara, devia ter presenciado um evento daquele umas duas ou três vezes em toda a minha vida.

— Diana, creio que você já conheça o Victor... — Apontou para o homem ao seu lado.

Quando criança, gostava de assistir filmes de super-heróis mutantes e sempre ficava imaginando qual poder desejaria ter. Na maioria das vezes ficava em dúvida entre o teletransporte e a telecinesia. Naquele momento, entretanto, preferia ser uma telepata, assim seria capaz de apagar o último minuto da mente de cada pessoa ali presente. Eu deveria aprender a observar melhor o ambiente antes de abrir minha boca.

Sentado ao lado do meu pai, parecendo maior e mais forte do que o jovem campeão que um dia perdeu a medalha, estava Victor Bersanni em pessoa. Quando se virou para mim, o canto de sua boca permanecia repuxado em um meio sorriso presunçoso. Seu olhar era indecifrável, podia ser divertimento ou chateação. Eu não o conhecia o suficiente para diferenciar.

— Fico feliz que não tenha problema algum em expressar sua opinião, facilita na hora em que eu for trabalhar em você.

Pela postura rígida, a felicidade não estava correndo em suas veias. Ou talvez estivesse, se pensava que podia me fazer engolir as palavras. Sua voz imponente combinava bem com o corpo atlético. O sotaque, no entanto, era bem mais forte do que o de Mila. Ela morava aqui há muitos anos e só não parecia americana quando se irritava e xingava em português.

Já Victor precisava melhorar o inglês. Trabalhar em mim era bem diferente de trabalhar comigo...

— Você é o novo treinador da Machine Gun?

Perguntei de forma ríspida, olhando mais para o meu pai do que para Victor. Eu era uma das sócias da academia e deveria ter sido informada antes de qualquer nova contratação. Como puderam passar por cima de mim daquele jeito? Trazer um estranho sem nem ao menos me informar era um absurdo!

— Não, filha — papai interveio, provavelmente percebendo que eu estava a um passo de pedir uma reunião de equipe. — A presença de Victor não é para a academia, é apenas para você. Exclusivo. — Se aproximou com determinação e sussurrou em meu ouvido: — Quero que conquiste seus sonhos, meu amor. Sei quais são suas habilidades e fraquezas, ele é um meio para um fim. Surpresa?!

A última palavra foi dita entre uma dúvida e uma desculpa. Surpresa resumia bem o meu sentimento. Depois de tantas discussões sobre artes marciais mistas ou boxe, papai levantou a bandeira branca no formato de um treinador carrancudo. Ele poderia ter me consultado antes de importar pessoas de outro país. Mas, na verdade, estava mais chateada pela minha falta de educação do que com a surpresa feita.

Os alunos e treinadores da academia permaneciam em silêncio, nos observando de perto. Quase podia imaginar um balde de pipoca em suas mãos enquanto assistiam àquele encontro como se fôssemos algum dramalhão cinematográfico. Precisava corrigir o meu erro e começar de novo. Forcei o melhor sorriso e estendi a mão para Victor:

— Seja bem-vindo à Machine Gun, podemos começar assim que você se adaptar.

Ele me analisou da cabeça aos pés: os cabelos castanhos escuro presos, os olhos azuis evidenciados pela maquiagem leve, o colar de pérolas, o terninho grafite bem cortado, marcando as curvas do meu corpo nos lugares certos. Em conjunto com a saia lápis, os saltos bordô. Seu silêncio debochou de mim, como se eu estivesse inapropriada em meu próprio ambiente de trabalho. E eu estava, meu inconsciente zombou. Seu olhar dizia: "não com essas roupas."

— Claro, assim que você estiver pronta.

Sua voz não escondia o tom de sarcasmo e eu mantive o sorriso no lugar, apesar da necessidade urgente de falar mais verdades. Por mais rude que tivesse sido, foi bom Victor saber qual era a minha posição sobre os eventos do ano anterior. Para mim, pessoas como ele eram escória e manchavam toda a filosofia do esporte. Ele era lixo, mas era um lixo muito bom na luta de chão. E eu estava desesperada para aprender.

(AMOSTRA) Badboy Lutador - vencer não é o maior prêmioOnde histórias criam vida. Descubra agora