Continuamos repetindo seus pecados

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O salão nobre do palácio do Catete cheirava a charuto, vinho e flores

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O salão nobre do palácio do Catete cheirava a charuto, vinho e flores. Países, estados brasileiros e capitais enfeitadas de jóias e taças cheias desfilavam orgulhosamente sobre o piso lustroso. Uma banda tocava maxixe alegremente em uma das pontas da sala, Luciano dançava alegremente com Amanda em seus braços ao centro, alguns outros casais os acompanhando na comemoração particular.

Rio de Janeiro estava sentado em um dos sofás acolchoados, só, à frente de um dos grandes espelhos da sala, olhando fixamente para a imagem refletida no objeto da sua direita.

"Mi querido." Buenos Aires passou o braço pelo seu, o tirando de seu devaneio, seus cabelos loiros penteados para trás e olhos azuis ansiosos. "¿Tú tampoco quieres bailar?"

"Não quero envergonhar os convidados, eles sabem que somos os melhores nisso." Afastou o charuto dos lábios e sorriu, ouvindo a risada melódica da capital argentina. Brasil, não muito discretamente, o mandou um alegre acenar de aprovação enquanto voltava a se aproximar de Martín, ambos se afastando para um canto mais discreto da sala.

"Y esa es exactamente la razón por la que deberíamos hacerlo, ¿no crees?" O outro homem tinha um ar galante, desviando o olhar para pedir ao garçom uma taça de vinho.

Foi apenas um momento, mas foi o necessário para que seus olhos voltassem para o espelho. De lá, podia ver outro homem com um sorriso malicioso e cigarro nos dedos, do qual levou em direção aos lábios entreabertos e tragou delicadamente, o fitando pelo espelho com intensidade. Vitor se arrepiou da cabeça aos pés, charuto voltando para sua boca enquanto segurava o suspiro de frustração.

"¿Qué tal si pasamos esta noche juntos? ¡No nos hemos visto en semanas!" Buenos Aires voltou a falar, se voltando em sua direção. "Dudo que alguien en esta fiesta se dé cuenta de nosotros."

"Sabes que não posso, sou o anfitrião hoje! Os estados e capitais, nunca se sabe que tipo de peripécias podem me arranjar." Sua nuca sentia o olhar fixo e sua mente quase ouviu a risada zombeteira que a acompanhava. "Amanhã teremos reuniões… Mas à tarde, depois da reunião com a Argentina, podemos passear por Copacabana."

"¡Me encantaría! Una pena que siempre seas tan responsable con tu trabajo." E, enquanto o loiro fazia um carinho em sua mão, o carioca riu com diversão, olhando para o espelho enquanto beijava a mão gelada.

"É assim que uma capital de um país continental deve ser." O argentino assentiu, com um pequeno rubor em sua face. "Agora, se me der licença, preciso me ausentar por alguns instantes, meu querido."

"Estaré esperándote." E, com a maior calma que podia reunir, atravessou a sala até o outro lado, abrindo a porta que o levaria até a Sala Azul e, atravessando-a rapidamente, entrou no Salão Veneziano, encontrando a figura que procurava. Trancou a única porta que havia deixado aberta propositalmente.

"Seu namorado parece um anjo." São Paulo capital disse em voz baixa, apoiado com o ombro no batente da porta de vidro fechada que daria para a varanda do palácio. Havia um quê irônico em sua expressão antes de voltar a falar. "Acho que um par de chifres não combinaria muito com o estilo dele."

"Está namorando o próprio demônio, o que posso fazer?" Brincou, soprando a fumaça de seus pulmões em direção ao paulista, que revirou os olhos e se afastou, andando pela sala. Todas as cortinas estavam fechadas, todas as portas trancadas, ninguém nunca poderia imaginar o que estava acontecendo ali.

"Demônio… Me lembra do Demonão e da Titília e que, mesmo após a passagem deles, continuamos imitando-os." Seus dedos passaram sobre a mesa de mogno no centro da sala, aura taciturna que captava toda a atenção da capital brasileira. "Desde o primeiro império, Rio."

"Não haja como se estivesse preso num destino cruel, nós dois enfiamos facas nas costas um do outro." Apagou seu charuto no cinzeiro da mesma mesa que o paulista estava parado, ao lado oposto. Seus olhos se encontraram.

"E eu continuo sendo apenas seu amante. Seu segredo, o seu desejo proibido."

"Fala como se houvesse mais que desejo carnal entre nós." Rio arriscou, sentindo seu peito acelerar em antecipação. Paulo Júnior se surpreendeu com sua resposta, seu rosto se corando rapidamente e desviando o olhar, envergonhado.

Diferente do corar de Buenos Aires há alguns minutos, foi o de São Paulo que fez seu coração se contorcer em alegria e satisfação.

"Pedro amava Domitila. Em seu jeito torto e estranho de ser, mas amava." O carioca contornou a mesa, se aproximando e o encurralando com os braços, extremamente perto, mas nunca tocando-o. "E a marquesa também correspondia de seus sentimentos, então, capital paulista, eu lhe pergunto: se somos Dom Pedro I e Domitila, também temos a nossa parcela de amor?"

"Pedro amava Domitila, mas amava muito mais o trono em que estava." Respondeu em voz baixa, olhando para os lábios do de cabelos cacheados antes de virar o rosto, seu pomo de Adão se movimentando ao engolir em seco. "Precisava de alguém a sua altura, de sangue azul. E isso era a única coisa que ela não poderia dar a ele."

"E mesmo assim, a desejou como ninguém desde que botou seus olhos nela. Se apaixonou pelo seu sorriso atrevido e pelos olhos brilhantes, me disse uma vez." Inspirou o cheiro do tabaco e do café que o paulistano exalava quase naturalmente agora. Seu corpo arrepiou-se (e notou que o do outro também). "Adorava vê-la de preto, provocando-o com sorrisos maliciosos porque sabia que ele não poderia tocá-la, nem correr até ela e a tomar na frente de todos."

"Não é como se fossem discretos depois de um tempo." Os lábios de São Paulo abriram um sorriso torto, divertido. "Titília adorava desafiá-lo, ele e a autoridade que ele tanto pensava ter com ela."

"Rebelde e irreverente. Era muito diferente da nobre e amável Leopoldina." Por um segundo, os olhos de Vitor se perderam num silêncio nostálgico. "Pedro poderia valorizar a querida imperatriz, mas a paixão em seu peito era muito mais ardente por outro alguém de terras tupiniquins."

"E ela, até o fim de seus dias, jamais esqueceu do amante que fez seu coração cometer as maiores loucuras de sua vida em nome do amor." O paulistano praticamente sussurrava agora, sem deixar de encará-lo, mesmo com as faces vermelhas. "Seus momentos preferidos sempre foram quando exibia as-"

"As flores que ele enviava, para que usasse e pudesse fazer saber que havia o perdoado por suas explosões." Vitor alcançou a flor de pessegueiro na lapela do white-tie alheio, acariciando as pétalas sem tirá-las do lugar. Uma mão elevou o rosto do carioca, lábios encontrando-o em um beijo suave.

Foi Rio de Janeiro quem enviou a flor.

Tens-me cativo.

Sua necessidade mal se conteve e, erguendo suas mãos, segurou o rosto do paulista quando aprofundou o beijo, sua língua matando a saudade de cada canto da boca dele, alcançando, lambendo, chupando. São Paulo lambeu os lábios quando se afastaram, expressão de deleite claro como o dia e descendo seus dedos por seu tronco.

Era difícil pensar com tantos sentimentos opostos, porém seus corpos respondiam por autonomia, aproximando-se, tocando-se, respondendo a atração que suprimiam em seu íntimo e que rasgava seu caminho até a superfície.

"Estamos realmente falando sobre o Pedro e Titília?" Rio de Janeiro perguntou, sendo sua vez de segurar o rosto do mais velho, a procura de alguma resposta, ou um sinal. O de olhos puxados o analisou de volta, se esticando devagar até que o desse um selinho.

"Eu não sei. Perdemo-nos neles há muito tempo."


Como Pedro e DomitilaOnde histórias criam vida. Descubra agora