Labyrinthos

O VOO

O VOO

Em geral, evitávamos nos separar e sempre tentávamos fazer coincidir nossas agendas, mas dessa vez foi impossível para nós. Não poderíamos deixar passar as oportunidades que nos foram apresentadas no momento em que estavam em falta. O último governo tornou-se impopular por causa dos sucessivos cortes no orçamento nacional e aumento de impostos. No campo da educação, as coisas pareciam piores. É por isso que devíamos aproveitar o dinheiro que a nação tinha enviado para a formação de professores universitários.

Minha esposa atuava na área de literatura e foi forçada a viajar para Nebiti, um país que está na vanguarda de Letras. O curso duraria cinco dias, mas ficaria a semana inteira, pois seus colegas estavam entusiasmados com o turismo e a convidaram para fazer um tour pela cidade. De minha parte, recebi um convite para participar do Congresso Internacional de Matemática. Como temos um filho de oito anos de idade ao qual não tínhamos com quem deixar, decidimos que eu iria levá-lo, porque a conferência que seria realizada em Barazu, país vizinho de Baol onde está localizado o famoso Instituto Munchasen. Algumas semanas antes de nossa viagem, matriculei meu filho em um dos cursos para crianças deste instituto, o que me daria tempo suficiente para participar do congresso.

A semana foi maravilhosa. Pude aproveitar ao máximo o evento e meu filho aprendeu muito no curso. Mas as tardes foram só nossas. Fomos ao zoológico, ao grande Victoria Park, ao barulhento centro da cidade e ao cinema. No último dia em Barazu nós caminhamos ao longo da beira do lago do Victoria Park e nós nos sentamos para jogar comida aos patos. Naquela tarde maravilhosa, o sol pintou de cor âmbar a folhagem brilhante das árvores ao redor. Foi como uma pintura idílica. Kevin riu dessa maneira que enche meu peito de felicidade. A infância é maravilhosa. As coisas mais simples fazem as crianças rirem de felicidade. Kevin é tão inocente e frágil aos meus olhos. Lembro-me de quando ele acordou com medo de algum pesadelo eu o consolei dizendo que nada aconteceria com ele e que eu estaria sempre ao seu lado para protegê-lo.

Naquela noite, ficamos assistindo a filmes para família, algo com o qual a minha esposa não concordaria. Ficamos até muito tarde até que estávamos cansados e adormecemos. Uma coisa tão inocente acabou sendo uma estupidez da que eu me arrependeria profundamente. No dia seguinte chegamos atrasados para o nosso voo de volta para casa. Fiquei nervoso e comuniquei a situação para minha esposa. Eu esperava algum apoio, mas acabamos brigando no telefone. Eu peguei um voo para a tarde, então ficamos no aeroporto. Comecei a ficar impaciente quando percebi que o voo estava atrasando. Minhas suspeitas foram confirmadas quando ouvi pelos alto-falantes que o voo havia sido cancelado. Afortunadamente, a companhia aérea disponibilizou um outro voo, mas com uma parada em Baol. Eu não estava com pressa de ver o rosto da minha esposa depois da discussão, mas porque não podia esperar para deixar Barazu e estar em Temny. Depois de algumas horas, finalmente chegamos à sala de embarque. À medida que a fila ia diminuindo, pude ver melhor o rosto da funcionária que recebeu as passagens e verificou os documentos. Seu sorriso me pareceu ambíguo no começo; eu não poderia dizer se era falso, real, sarcástico ou gentil. Mas desde que eu estava sentindo uma felicidade comparável ao resultado do trabalho duro ou a chegada à final da linha de uma maratona, pareceu real para mim.

Eu acordei assustado por discussões em diferentes idiomas. Embora muitos falassem Baolés, por ser a língua oficial de Baol, Barazu, Temny e Nebiti, havia muitos dialetos diferentes. Quando o avião estava prestes a pousar, apressei-me para me comunicar com minha esposa, mas descobri que não havia comunicação. Os rumores entre os passageiros eram confusos a princípio, mas pouco a pouco tudo ficou claro. Houve um golpe em Baol. Os rostos do desespero faziam sentido agora. Meu filho soluçou e eu tentei confortá-lo sem dizer muito. Nunca experimentei uma aterrissagem tão sombria ou sem esperança.