A LENDA DE LA SALAMANCA

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A LENDA DE LA SALAMANCA

O pavimento preto desenhava uma linha reta até o horizonte. As grandes nuvens escuras e ameaçadoras, a certa altura, se confundiam com a estrada. Em ambos os lados só podiam ser vistas árvores e arbustos de cor verde-escuro, dando a toda cena uma aparência lúgubre. De repente, uma borboleta bateu no para-brisa. Pensei na pobre infeliz que agora estava morta, despedaçada e grudada no vidro, até que saí do meu estado irreflexivo quando ouvi meu parceiro tagarelar sem parar enquanto eu dirigia a van do trabalho. Poucos minutos antes havíamos entrevistado alguns moradores de uma pequena comunidade de Las Sierras acerca de uma série de desaparecimentos na região, ocorridos desde a década de 1980, e já estávamos regressando para a cidade.

A certa altura, César disse: "Sofia, entre nessa estrada de terra. Quero mostrar-te algo". Obedeci sem questionar, porque, embora ele fale demais, no que se refere à profissão, era muito sério. Ele tinha uma espécie de intuição que o levava a fazer seus melhores trabalhos jornalísticos. Ele me pediu para estacionar a van ao lado do caminho, onde não seria visível da estrada. Prevendo que estaria mais frio lá fora, puxei o capuz sobre a cabeça antes de sair. Quando saímos da van perguntei-lhe: "O que queres me mostrar?". Ele olhou para mim com certo entusiasmo e respondeu: "Esta é uma das entradas pouco conhecidas do rio Saqra". Por um momento fiquei surpresa e com certo temor, porque me lembrou de meu falecido pai. Confusa, perguntei o que isso tinha a ver com o caso que estávamos investigando. Ele me respondeu com confiança enquanto começava a andar: "Percebi que um terço dos desaparecidos foi pescar naquele rio". Eu respondi enquanto o seguia: "Bem, isso não me parece estranho. Muitos devem se dedicar à pesca nesta localidade". Ele olhou para mim como se já estivesse preparado para aquela resposta e replicou: "Mas não no rio Saqra, senão no mais próximo: O rio Aanimu. Mas nenhum dos desaparecidos estava perto desse rio, mas sim do Saqra". Olhei para ele com desconfiança e disse: "Se você acha que este lugar em particular é perigoso, por que estamos entrando?". Ele sorriu para mim daquele jeito condescendente típico dele e respondeu: "Você é cinegrafista. Registre tudo e estaremos seguros. Além disso, estamos no século 21 e aqui não há falta de sinal. Tenho ativado 'Emergência SOS' no meu celular. E como se não bastasse, acabei de enviar uma mensagem com a localização atual para o Ricardo. Como ele decidiu adoecer justamente hoje, pelo menos que ele preste para nos acompanhar à distância". Ele disse isso e piscou para mim.

Poucos minutos depois, estávamos na margem do rio. Observei o rio enquanto filmava e naquele momento me pareceu incrível que meu pai tivesse tido tanto medo de um lugar tão aprazível. Cesar apontou os lugares que ele queria que eu filmasse. Depois de algum tempo, ele me pediu para parar de gravar, sentou-se em uma pedra e me disse algo estranho: "Você me conhece, Sofia. Não sou do tipo de pessoa que acredita em superstições. Mas algo me diz que os casos de desaparecimentos nesta região estão relacionados a uma antiga lenda popular". Aí, enquanto eu ajeitava o capuz, disse: "Bom, não deve ser tão popular assim, pois nenhum dos entrevistados falou ou fez referência a essa tal lenda". Cesar riu assentindo com a cabeça, coçou a sua rala barba ruiva, olhou para mim e respondeu: "Você está certa. Mas não é isso que importa. O importante é um fato curioso que descobri. Primeiro contarei a lenda e depois contarei o fato. Sim?". Tudo parecia muito misterioso para o meu gosto, mas concordei e o deixei falar. "Tive a sorte de poder conversar com minha bisavó. Ela viveu até os 108 anos. Quando eu era um adolescente de 17 anos, eu costumava conversar com ela e uma vez ela me contou sobre aquela lenda já esquecida pelos moradores desta comunidade. Ela me disse que, neste rio, os gaúchos vinham tocar violão para que um espírito os guiasse até um lugar chamado 'La Salamanca'. Este lugar não aparece para qualquer um. Não tem existência física, mas é uma espécie de portal. Ela me disse que parece uma caverna na montanha e que dentro dela existem espíritos, demônios e outros seres prontos para fazer um pacto com quem quiser se comunicar com eles". Fiz um esforço para não cair de joelhos e me sentei numa rocha, tentando dissimular que estava tudo bem. Será que o que meu pai me disse naquela época era verdade? Continuei a ouvir com atenção para ver aonde ele queria chegar. César continuou: "E aí vem a parte curiosa: nos casos em que o desaparecido estava acompanhado, as testemunhas afirmavam ter visto as vítimas pela última vez perto da 'caverna' que fica do outro lado do rio. O problema é que lá não tem caverna nenhuma", disse apontando para a montanha rochosa e depois tirou uma foto com o celular. Ainda um pouco tonta, falei: "Mas você não acha que isso tem algo a ver com coisas sobrenaturais, acha?". Ele riu de novo, o que já começava a ser bastante irritante. Depois disse: "Claro que não! Simplesmente pareceu-me curioso. E se alguém estiver interessado em reviver essa lenda para fazer crer aos habitantes que os desaparecimentos se devem a pactos com o diabo? Não sei, pode ser qualquer coisa. Ou absolutamente nada".

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