Capítulo II

5 1 0
                                    

Seis dias antes seu décimo oitavo aniversário, sentado na Poço dos Desejos, a cafeteria de um cassino no coração de Songyong, Jimin pedia sua terceira limonada da noite e espalhava engenhosamente algumas poucas batatas fritas já frias pelo prato de forma a parecer que ainda estava comendo e não apenas ocupando espaço. Era uma da manhã e ele estava sozinho em uma cidade estranha, com sua bolsa de viagem ao lado, um livro de fantasia aberto a sua frente... e sem nenhum lugar para onde ir.

Essa não era a triunfante volta ao lar que ele havia imaginado.

Jimin tremia de frio por causa do ar-condicionado. Seu cabelo estava mais bagunçado que de costume, todo rebelde por causa da umidade, além de emaranhado graças ao tanto que ele tinha andado, suado e se cansado.

Ele precisava de um lugar para ficar, mas não tinha idade para alugar um quarto de hotel sozinho, a cara de novo não ajudava. Nem coragem para acampar ao ar livre. Ele fora a três cemitérios naquele dia, pois, se não conseguisse passar a noite em Songyong, queria pelo menos ver o túmulo dos pais antes de partir. Mas tudo o que conseguira foi ficar queimado de sol e frustrado.

Ao cair da noite, seu entusiasmo havia desaparecido. A convidativa cidade à beira-mar tornara-se uma ruína em néon. Silhuetas escuras infiltravam-se por entre as sombras. As luzes dos cassinos dançavam e piscavam, queimando seus olhos como explosões estelares. O ar úmido grudava em sua pele como um admirador indesejado, e ele foi correndo para dentro do Cassino Dream para se ver livre dele.

E assim acabou indo parar na Poço dos Desejos.

Os cassinos ficavam abertos a noite toda. Ele presumiu que poderia ficar sentado na cafeteria, talvez até dar uma cochilada com a cabeça apoiada na mesa, que ninguém nem se importaria. Mas agora que já estava ali havia três horas, os problemas daquela estratégia começavam a lhe parecer óbvios. Algum frequentador do cassino veria uma garoto "indefeso" parecendo um peixe fora d'água e iria assediá-lo. Ou alguma vovó daquelas viciadas em máquinas caça-níqueis avistaria um "criminoso fugitivo" e chamaria a polícia. Ou ambos.

Jimin geralmente era considerado um alvo fácil, graças a sua aparência inocente: olhos brandos, boca carnuda e rosto de feições suaves que o faziam parecer ingênuo e manipulável, embora não fosse nem um nem outro. Ele mantinha a cabeça baixa para não encorajar a aproximação de nenhum bom samaritano. Ou de pervertidos.

Estava lendo O Lado Mais Sombrio pela enésima vez, mexendo os lábios sem vocalizar as palavras já quase decoradas, quando notou um cara em pé junto a sua mesa. Ele levou a mão à nuca, ficou tentando desembaraçar o cabelo com os dedos, e rezou para que ele fosse embora.

Não deu muito certo.

- Estou ficando entediado de observar você - disse ele. - Você está lendo esse livro aí há horas!

Jimin ergueu as sobrancelhas e viu uma calça jeans rasgada, com frases escritas em tinta preta se torcendo em volta de cada perna como correntes. Um bracelete de couro cobria o pulso pálido, por baixo dezenas de tatuagens, o braço direito dele era repleto delas. No pescoço, um cordão com um pingente de serra elétrica em miniatura

E para completar: o cabelo e até as sobrancelhas dele eram azuis. De um azul cor de bala, um azul de tinta guache. O cabelo do garoto era liso com uma leve ondulação, o comprimento até o ombros, e, para combinar, ele exibia no rosto um sorriso presunçoso. Um piercing atravessava sua sobrancelha direita e suas orelhas possuíam várias argolas.

Tudo nele parecia calculado para afastar as pessoas. Como uma planta guarnecida de espinhos, ou animais cujas cores brilhantes eram sinais de veneno.

Bem, funcionava.

Amaldiçoado à Meia-Noite • pjm + jjkOnde histórias criam vida. Descubra agora