0.1 | N de quê?

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ıllıllı - ıllıllı

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ıllıllı - ıllıllı

Já de longe pude ver as linhas pretas desalinhadas na parede branca. Venho gemendo em frustração até a frente da loja, talvez desejando que tudo não passasse de um sonho e que não teria que pintar a parede novamente. Os resmungos de Dunga chegaram logo cedo, martelando em minha cabeça sobre o culpado.
    — O que tá' escrito aí? — Dunga chegou ao meu lado, analisando os rabiscos. — Isso é um desenho? Mas que merda é essa? É outra língua ou um sinal de socorro?
    — Um N, talvez? — Me aproximei do que deve ser a assinatura do responsável. Olhei para Dunga, que estava de cara fechada, como sempre. — Você é inimigo de alguém com essa inicial?
    — Neiva? Nicolas? Eu não faço a mínima ideia, não consigo me lembrar de ninguém com essas letras que me odeie. — Suas mãos batem nos próprios bolsos. — Eu dei seu salário? Não me lembro, de qualquer maneira pegue essa quantia e veja se precisa de tinta.
    Se eu tivesse a coragem dessa pessoa, eu seria o causador disso só para vê-lo de sobrancelha franzida. O que é uma coisa intrigante para se pensar, pois Dunga não é uma má pessoa — pode me tratar como um empregado em dívida eterna, mas, quando esta de bom humor, é um bom homem.
    — Tem umas caixas fechadas no balcão. — Ele pegou um isqueiro enquanto puxava um cigarro da caixa com a boca. — Pode pintar depois de arrumar as coisas? — perguntou com dificuldade ao mesmo tempo que acendia o cigarro, logo soltando a enorme fumaça. — Eu preciso fazer umas ligações.
    Ele está de bom humor. Porém ainda preciso preocupar-me com a merda da tinta.


Mais tarde, depois de guardar grande parte dos itens, atender os clientes e limpar prateleiras, finalmente peguei o resto de tinta que guardei nos fundos, levando-a para a calçada juntamente com o rolo de tinta. Eu poderia estar voltando mais cedo para casa, como aqueles trabalhadores que acabaram de descer do ônibus, cansados pelo dia, porém tenho que cobrir, pela terceira vez, a parede.
    Dunga estava em uma de suas ligações semanais, talvez com o tal Tite - seu amigo, primo, irmão, não sei ao certo, mas deve ser um cara legal, nunca fiz questão de perguntar, já que Dunga é um cara meio fechado e não será eu que irá incomoda-lo sobre.
    Depois de quase machucar meu dedo com a tampa da lata, começo a rolar o rolo na tinta soltando um suspiro alto, bem alto, para que Dunga ouça, o que duvido que tenha acontecido - suponho que ele tenha ouvido, pois mandou eu me apressar com a pintura.
    Minhas reclamações podem soar dramáticas, só que, quando se tem que pintar uma parede quase todo dia, é irritante e exaustivo. Dunga vive dizendo que puxaria a orelha do delinquente até ele chorar, o que eu duvido que aconteça, pois a maioria dos acusados são crianças e Dunga, no máximo, pediria para que os pais lidassem com isso. Agora, se o pecador for um adolescente, perto da minha idade, temos um problema maior.
    Ao mesmo tempo que pensava sobre a pessoa, diversas crianças passaram pela rua a caminho da praia, onde sempre jogavam bola com alguns garotos mais velhos. É divertido de assistir, aqueles meninos driblando os pequenos, é o meu passatempo nas horas vagas. E tem um deles, nunca ouvi seu nome direito, é um dos melhores com a bola nos pés.
    — Philippe? — A voz de Dunga, que saiu de dentro da loja, tirou-me dos pensamentos. — Você já acabou?
    — Ah! — Comecei a pintar rapidamente. — Já estou no fim! — Intercalei meu olhar para as crianças, eu quero segui-las para ver o jogo ou apenas jogar-me no mar um pouco. Talvez ele não se importe de não ter a segunda camada de tinta. — Dunga, terminei por aqui.
    Passei por ele depois de jogar a lata fora. Peguei minha bolsa e troquei a calça pela bermuda, deixei a camisa do trabalho junto com a calça e, no lugar, ponho minha linda camiseta do Vasco. O que causou um olhar indiscreto de Dunga.
    — Pensei que tinha parado de torcer para isso — comenta enquanto desliga o aparelho celular. — Sabe, o Internacional está tendo uma ótima temporada.
    — Eu ia te convidar pra' ir comigo na praia, mas mudei de ideia.


— Morango, por favor — concluo vendo Dunga assentir e andar até o sorveteiro. Vamos aproveitar sua boa vontade, ter uma companhia para assistir um jogo de futebol de crianças soa-me bem.
    Logo me sentei na parte alta da areia onde se encontra com a grama, um bom lugar para assistir o joguinho. As crianças já chutavam a bola sozinhas, uma bola surrada que estava no final da vida. Não demorou para o resto chegar, uns cinco de uma vez só, e lá está ele no meio, sorrindo enormemente e usando aquele esparadrapo retangular no nariz. O cabelo moicano desarrumado é um adicional exótico.
    — Olha aquilo. — Dunga finalmente volta com os picolés. — O pai ou a mãe nunca o avisaram sobre como isso tá' ridículo?
    — Você conhece ele? — Dou uma mordida no meu picolé de morango, curioso com o assunto.
    — Só de vista. — Ele mordeu o que eu acho ser um picolé de flocos. — Você conhece?
    — Só de vista, também. — Voltei a olhar para o jogo, prestando atenção naquelas pernas talentosas, que parecem dançar sobre a areia. Dunga não quis sentar mais perto do mar, pois a areia está gelada demais.
    Eu devia vir mais vezes na praia depois do trabalho.
    — Tite iria gostar daqui — Dunga disse repentinamente.
    — Afinal, quem é ele? — questionei demoradamente, com medo da reação. Ouço seu suspiro como resposta, terminando seu picolé.
    — Dois reais cada, até que não é ruim.
    Percebi que é melhor terminar a conversa por aqui.

ıllıllı - ıllıllı

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Menino Ney | NeytinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora