0.2 | M de MARadona

156 12 0
                                    

ıllıllı - ıllıllı

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

ıllıllı - ıllıllı

Minha felicidade durou uns dois dias, quase três eu diria. Durante esse tempo, passei minhas noites nas areias geladas da praia, assistindo os jogos e me jogando no mar para aliviar os nervos do meu corpo. Isso me fez ficar mais à vontade com tudo e todos ali, o sorveteiro é um cara divertido e a flauta dele era legal de tocar, e tem uma mulher, suponho ser uma senhora de 50 anos, que vivia fazendo croché sentada em uma cadeira de plástico amarela de um estabelecimento de churros. Nunca perguntei seu nome, apenas acostumei-me com seu apelido que, curiosamente, é Formiga.
    De qualquer forma, minha felicidade durou pouco, pois, de longe, já via aqueles rabiscos na parede branca da loja do Dunga. Minhas pernas vacilaram pela calçada ferrada, quase tropeçando em algumas rachaduras e buracos. Mas, embora toda minha preguiça, uma certa curiosidade me cercou quando olhei realmente para o desenho. Umas lembranças das minhas aulas de artes apareceram, lembraram-me dos desenhos rupestres no início da humanidade. Quem sabe eu não tenha um "olhar bom" para a arte, porém, quando eu desenhava homenzinhos com corpos de palito, minha professora fazia-me voltar e refaze-los mais "humanos".
    Na parede, uma mancha preta, que deve ser uma má representação do mar, pontinhos aleatórios, talvez seja a areia, e umas cinco pessoas de palitinho com o que parece ser uma bola. Gracioso, meu primo desenharia isso. Mas algo no canto me chama a atenção. Mais uma pessoinha de palitinho, agora mais afastada e aparentemente sentada na areia. Isso pode ser, inesperadamente, uma representação minha? Ontem mesmo eu estava assim, assistindo ao jogo das crianças com aqueles jovens. A assinatura é a mesma.
    Antes da minha entrada triunfal na loja, onde apenas as caixas de produtos aplaudem, a velha Brasília Amarela Desbotada de Dunga subiu no pequeno estacionamento do lugar, reservado apenas para ela. O vidro, mesmo emperrado, estava aberto, mostrando meu chefe e sua cara de cansaço.
    — Bom dia, garoto. — Abriu a porta e, com inúmeros resmungos, saiu do carro. No banco de trás, tirou uma garrafa de café e duas canequinhas. — Trouxe o café.
    — Desde quando você faz café?
    — Desde que venho tentando parar de fumar, ou seja, ontem. — Soltou um sorriso amarelo, esperando-me para entrar. Então, rapidamente, subi a porta de metal e engancho-a para não cair. — Esse negócio não vê um óleo há tempos — murmurou enquanto servia as canequinhas.
    — Então... — comecei pegando, de bom grado, a canequinha de café. — A tinta acabou e... Meio que precisamos cobrir a parede, de novo.
    Dunga não fez nenhum barulho, apenas focou em dar o primeiro gole do seu café e fazer um som de satisfação logo após. Apenas assoprei o meu tomando aos pouquinhos.
    — Eu dou o dinheiro pra' você comprar.
    — Eu? Mas...
    — Eu não quero me' estressar com aquele argentino, sempre com aquele sotaque esquisito, aquele cabelo, que Deus me perdoe, mas aquele cabelo deve ser de outro mundo. Talvez o Mundo da Feiura. — Deu uma leve risada antes de tomar mais um gole do café. — De qualquer forma, você sabe onde fica, é só ir e comprar a tinta.
    Tomei mais um gole, confuso com a repentina ideia de Dunga querer parar de fumar e com preguiça de andar para comprar a tinta.
    — Qual foi dessa ideia de parar de fumar?
    — Quer que eu morra de câncer de pulmão? Estou tentando viver mais.
    — Por que do nada?
    — Você já foi comprar a tinta?


A loja de tintas tinha um trocadilho no nome, na parede está escrito MARadona, com as três primeiras letras bem pintadas de azul com características do mar enquanto o resto é preto em letra cursiva. Criativo pela minha parte, ridículo se pensar demais, porém tem seu charme. Dunga achava idiota, como tudo vindo da Argentina.
    Tanto faz, de qualquer maneira estava indo comprar a maldita tinta sozinho. Não é longe, porém a cada dez passos tropeçava em alguma rachadura, só de chatice comigo mesmo. Talvez eu esteja sendo um adolescente irritadinho, Dunga gostava de me chamar assim e sempre o ignorava ou o chamava de "velho rabugento", contudo evitava para manter meu serviço.
    Quando vi a loja do grande amigo do meu chefe me senti nervoso, é sempre um desafio entender o sotaque dele e, às vezes, ele pode ser desagradável quando o assunto é o nosso Brasil. Mas é um carinha legal.
    — Olha só, Coutinho, meu cliente favorito. — Maradona sempre foi animado comigo, apenas comigo. Ele e Dunga não dão certo em um ambiente fechado.
    — Sim, sim, preciso de mais uma tinta branca — disse como se morresse a cada passo naquele piso liso da loja do argentino. — Vai ficar milionário só com o meu dinheiro.
    — Quem dera... — Ele pegou meu papel com as características certas da tinta e me deixou lá com o aviso de "no tardo", expressão que já me acostumei a ouvir de tantas vezes que já a escutei.
    Para passar o tempo, olhei a loja, xeretando as etiquetas de diversas latas de tinta para rir mentalmente de seus nomes estranhos. Era um passatempo idiota, porém, quando vejo, já tenho minhas tintas em mãos e a icônica frase de Maradona para seus clientes: "As tintas que produzo são de altíssima qualidade, obviamente com materiais trazidos da minha bela terra [...]".
    Parava de escutar normalmente depois da "terra", sempre a vangloriando, com razão, eu acho. Deve ser um lugar bonito, deve ter suas coisinhas que dão o charme, contudo meu sangue brasileiro não gostava de pensar em apanhar por causa de times de futebol ou seja lá com o que mais eles se irritam facilmente.
    Toda minha redação mental sobre não ir à Argentina foi interrompida por um barulho alto de metais caindo. Assustou-me a ponto de meus ombros pularem em forma de defesa. Percebi que vem de um canto, não costumava intrometer-me, porém vi uma latinha rolando, e mais uma, e outra, então decidi pega-las e pagar-me de bom-moço, o que, de certa forma, eu sou.
    Quanto mais perto eu chegava mais murmúrios de, talvez, xingamentos ficam aparentes. Com umas três latas no braço, deparei-me com um novo funcionário irritado e com diversas latas de tinta a sua volta. Nunca o vi pela cidade, o que respondia sua pele branca, nunca deve ter pegado uma praia direito.
    — Com licença... — falei observando seus ombros contraírem e só relaxarem quando me olhou.
    — Ah, pense que era Maradona. — Seu sotaque era mais aparente ainda. Minha cara de confusão, um pouco teatral, também. — Desculpe, ainda... Não sou totalmente fluente.
    — Tranquilo. — Dou de ombros notando os cabelos castanhos dele, são lisos e curtos, brilhantes de suor. — Toma, essas aqui rolaram pra' longe.
    — Gracias por eso. — Sorriu pegando as latas e jogando-as em uma caixa. — Então, como se chama?
    — Philippe — respondi percebendo sua necessidade de ajuda, então pego algumas latas e jogo na caixa.
    — Sou Lionel.
    — Certo, Léo é mais fácil, tudo bem? — Ele acenou, então notei sua rigidez e barba por fazer. — Você deve ter uns vinte ou o quê?
    — Vinte-três.
    Não segurei o assobio.
    — Está muito bem para sua idade, mesmo que seja baixinho como eu — falei por falar, pelo menos Léo ri.
    — Não sou tão velho e nem baixo, você parece ser uma criança, quanto años tem?
    Bufei rindo mais abertamente.
    — Dezoito, tá? E isso é um elogio pela sua parte.
    Essa idiotice toda de idade não durou muito até cairmos na risada. Todas as latas estão guardadas e isso nos deu tempo para conversarmos mais, não demorou muito para ele dizer sobre sua cidade, Rosário, e sobre suas tentativas para se tornar um grande jogador de futebol. Foi bonito escutar, seu sorriso aumentava cada vez mais quando mencionava o calor que tinha quando estava com a bola nos pés. Porém estalou a língua ao dizer-me sobre seu problema hormonal, prejudicando seu crescimento e consequentemente seu sonho.
    Se não fosse os berros de Maradona pelo meu sobrenome, eu teria ficado, mas Léo sorriu e chamou-me para jogar bola um dia desses e que eu teria que mostrar a praia para ele. O que eu concordei de bom grado.

ıllıllı - ıllıllı

Ajudem com comentários e votos, estou aberta a críticas construtivas sobre minha escrita, ajuda muito.

Menino Ney | NeytinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora