Passei do parquinho, com passos mais apressados que o normal. Essa chuva de memórias me trazia reflexões profundas, profundamente ruins. Por anos matutei na minha cabeça o que aconteceu naquele tempo, o que poderia ter feito Fran se matar daquela maneira. Pensei que eu fosse o culpado. Acredito que cada um que tinha um laço com ela tenha pensado isso.
E pensar essas coisas é doloroso demais. Caminhei com passos pesarosos, cabeça abaixada, remoendo essas ideias cruéis. "Por quê? Por que se jogou? Por que me deixou?" me perguntei durante minha ida à drogaria. Desejei ter a resposta, perguntar a ela, porém tinha medo de ouvir o que Fran tinha a dizer a respeito. Medo de descobrir que eu era o culpado. Apesar de ter sempre cogitado essa chance, eu não queria descobrir uma coisa dessas. Já me sentia mal o suficiente só por nutrir essa suspeita, não aguentaria esse banque. É medonho pensar em si próprio como um motivo para alguém tirar a própria vida. "E se fosse eu? Como me desculpar?" É difícil moldar palavras para situações assim, não sabia o que dizer se esse fosse o caso.
Por isso era mais fácil pensar no que poderia fazer para ajudá-la a partir. "Talvez servisse como um pedido de desculpa", concluí, baseando-me no ditado popular: "uma mão lava a outra".
Não fui útil quando ela mais precisou, portanto decidi que seria útil para ela naquele momento.
Enquanto olhava para as prateleiras da drogaria, meus pensamentos divagavam. Formulei teorias sobre o que poderia mantê-la presa à Terra. Não era uma pergunta fácil de ser respondida, poderia ser qualquer coisa. "Mais que diabo!" pensei irritado, queria pistas, pelo menos uma. Não sou um cara muito bom para resolver enigmas como esses, não era nessa época e, muito menos, atualmente.
Avistei alguns DVD Blu-ray nas prateleiras junto de algumas revistas em quadrinhos próximas ao caixa. Peguei uma edição de turma da Mônica Jovem e fiquei folheando, desejando que a resposta estivesse em uma de suas páginas (meio impossível, mas não custava sonhar, não é?), e, para minha surpresa, atrás dela, havia o que julguei ser a resposta. Bem ali, tinha o DVD Blu-ray de "10 coisas que eu odeio em você". O rosto do Heath Ledger estampado na capa fez meu coração disparar. Estávamos falando sobre esse filme antes de ela adormecer, então interpretei esse achado como um sinal.
Nos filmes sobre gente morta que continua a vagar pela terra é dito que, elas precisam realizar um último desejo, então pensei: "E se o desejo de Fran fosse relembrar seus dias junto dos amigos no orfanato?"
Pareceu-me uma ideia plausível, afinal, ela sempre falava sobre os amigos de lá com muito gosto quando estava viva. Talvez sentisse falta. Eu nunca conheci nenhum deles, nem a tal namorada que ela teve em dois mil e onze.
Esse relacionamento que ela teve foi um romance curto, porém inesquecível, pois a primeira vez que Fran se sentiu atraída por uma mulher. Elas jamais se reencontraram desde o dia em que a tal namorada saiu do orfanato.
Foi o último relacionamento que Fran teve antes de Diego. Eu sabia que era importante, então presumi que não seria estranho se a saudade prendesse o espírito na Terra.
— Qual era o nome dela mesmo? — me questionei, em voz alta. — Ah, que droga, provavelmente o Diego saberia!
Não me lembrava, mas a história do DVD me pareceu muito algo que Marina poderia achar romântico, então tratei a história como sendo algo vivenciado pela Fran e sua namorada. Eu estava errado, é claro. A namorada da Fran se chamava Sara e não Ana Carol (a grande fã do filme e amiguinha de infância da Fran), mas na hora não me lembrei nesse detalhe.
Peguei o DVD, quatro maços de cigarros, uma lasanha congelada da Sadia e duas latinhas de coca. Fui até o caixa, ignorando as indagações perceptíveis que o atendente fez com o olhar para mim ao ver o filme que eu tinha em mãos e corri para a casa.
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É muito tarde para dizer adeus *DEGUSTAÇÃO*
RomanceTudo ia bem para o Fran de Souza, até o dia em que sua antiga namorada decidiu retornar e assombrar sua vida. Foi de súbito, ele estava em casa, conversando com a esposa quando viu a ex passar pelo corredor em direção a sala. E isso, concluiu ele, n...