Capítulo 9 - Não empaque as coisas

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Maio de 2004

flashback

Deixamos o restaurante para trás, mas nem por isso deixo a frustração e angústia de lado. Perceber que não faço parte dessa família não devia me abalar. Eu deveria me sentir grato, afinal quem quer fazer parte disso? Dessa quadrilha? Isso foi um golpe, um golpe contra a minha mãe que estava doente, precisando de amor e empatia.

Meu pai, não posso perdoá-lo. E não consigo parar de lembrar dele rindo com sua nova família, a cena roda em looping na minha cabeça.

A música toca, tento focar na letra, mas não consigo, parece que vejo um clipe musical onde a cena se encaixa perfeitamente na música, complementando-a. É horrível essa sensação, estou desnorteado. Olho para a janela escura em busca de alguma ideia. Ouço uma buzina vindo de trás, é Larissa, que nos segue. Eu havia esquecido que o caminho para sua casa é o mesmo que o nosso. Vejo meu pai atento, olhando pelo retrovisor. Um sorriso cresce em seu rosto, junto do olhar protetor. Ele deve estar perguntando se ela está bem, aposto que está pensando nela.

Continuo observando-o de soslaio, me perguntando se alguma vez ele pensou assim na minha mãe. Acho que já tenho a resposta, mesmo sem precisar ouvi-la sair de sua boca. Ele percebe que estou olhando-o e, na hora em que nossos olhos se colidem, me viro em direção a janela, volto a contemplar as ruas. Bufo, emputecido, estou a um passo de enlouquecer.

Quando chegamos no parquinho Bom Caxias, Larissa para o carro dela ao nosso lado. Despedimo-nos, antes de pegarmos caminhos contrários. Ela buzina, Caio grita um longo adeus para o meu pai, que responde. Larissa tenta se despedir de mim.

— Tchauzinho, Fran!

Encolho-me no assento, evitando os olhares de todos, sei que estão me examinando, mas foda-se, eu não sou obrigado a responde-la.

— Acho que ele dormiu, — disse meu pai, soltando uns risinhos para quebrar o clima ruim — mas amanhã nos vemos!

— Não quero ver ninguém — sussurro, mas não sei se ele ouviu. Quando finalmente chegamos em casa, sinto o dobro do cansaço, meus ombros doem. Tudo o que quero é meu quarto, minhas cobertas, mas, em vez disso, meu pai me impede, decidido a ter uma conversa.

Essa não... o que ele vai dizer?

— Ei, Fran... — começa, tenta chegar perto de mim. Afasto-me.

O olho com medo, com repúdio. Não posso falar com ele, não mesmo!

— Me deixe em paz! — mando e saio do carro, subo rapidamente e me enfio no quarto. Estou decidido a não sair, não vou nem na aula.

Ele não tenta mais falar comigo depois que ouve a batida grotesca da porta do meu quarto perpetuar pela cozinha.

Quando acordo no dia seguinte, parece que tudo foi um sonho, um sonho distante, mas, aos poucos, a realidade vai tomando conta. Percebo que ainda estou com a roupa do fatídico jantar. Tudo foi real, toda a palhaçada foi real.

Pouso o braço sobre a testa e com um olhar fundo e cansado, fixo no teto. Não há nem um pingo de força em mim, parece que passou um caminhão e levou junto qualquer fragmento de vontade de viver. Já tem um tempo desde que me senti assim.

Ouço Noe bater na varanda, me chamando, mas não o respondo. Ele logo desiste e vai para aula sozinho.

Fico imerso na escuridão do meu quarto, só que infelizmente nem ela consegue me proporcionar uma espécie de conforto, parecia estar jogando a verdade na minha cara com toda a força possível. Se tivesse braços, certamente me estrangularia.

É muito tarde para dizer adeus *DEGUSTAÇÃO*Onde histórias criam vida. Descubra agora