Porto seguro

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Iruka correu o mais rápido que podia da cozinha até sua porta principal assim que ouviu a campainha tocar. Na verdade, ele não imaginava quem poderia ser a visita àquela altura da noite, mas como um bom ninja e sensei estava sempre à disposição, à espera de algo. Abandonou a xícara de chá que tomava sobre a mesinha da sala e voltou a ajeitar o cabelo naquele rabo de cavalo de sempre, mas de um jeito não tão organizado por conta da pressa.

O professor só não esperava que à sua porta estivesse Kakashi, visivelmente exausto e apressado para entrar.

Enquanto o jounin entrava sem pedir licença, Iruka não podia disfarçar a expressão de surpresa que tomava seu rosto. Sempre a mesma, não importava quantas vezes o Hatake aparecesse por lá. Aquela não era a primeira vez claramente. Desde que começaram a sair há cerca de dois meses Kakashi já tinha passado algumas noites no apartamento do professor, geralmente quando algo o atormentava.

Iruka fechou a porta depois de sair da transe que o petrificou por uns segundos e viu Kakashi já largado em seu carpete da sala, sentado no chão com as costas apoiadas no sofá; o colete jounin e a blusa de manga longa jogadas atrás de seu corpo junto da bandana, os braços à mostra na regata justa e o rosto coberto pela máscara de sempre, o sharingan revelado. Devia admitir, era uma visão magnífica. Mas não disse nada, apenas engoliu os elogios que poderia dizer e se acomodou sentado no sofá perto dele.

Às vezes o professor ainda não acreditava que estava vivendo aquilo, um meio romance com alguém feito Kakashi, talvez o homem mais cobiçado de Konoha, quiçá no País do Fogo inteiro. O achava incrível, sempre o respeitou como um ninja de elite, alguém muito acima de si. Kakashi era inteligente, bonito, habilidoso, um ótimo amigo e sensei, ele era perfeito. Iruka não entendia bem o que poderia ter visto em si, se achava simples e comum demais. Mas nunca disse nada sobre, não queria ser negativo e só precisava aproveitar aquela oportunidade que parecia um sonho.

Kakashi, o ninja mais cobiçado de Konoha, tinha o convidado pra sair.

E já fazia dois meses.

Era mais que óbvio que nesse curto tempo a admiração que nutria por ele tinha se tornado uma paixão, amor. Não era difícil se apaixonar por Kakashi, afinal, menos ainda tendo-o tão perto. Em dois meses Iruka descobriu um Hatake que não conhecia, um que era frágil e carinhoso, calmo e paciente, transparente como água pura em sua frente, cheio de camadas protetoras para o resto do mundo.

— Você parece tenso — Iruka interrompeu o silêncio, deixando uma de suas mãos pousar sobre o ombro desnudo do outro. Já deveria ter se acostumado ao contato físico que amava, mas cada toque naquela pele clara e gélida ainda lhe dava arrepios.

— Sasuke... Nós o perdemos .

A voz carregada de tanta coisa, o olhar pesado sobre o chão.

Então a missão fracassou...

Iruka suspirou, sem saber o que dizer. Sasuke tinha saído da Vila não fazia muito tempo e desde então Kakashi, o time 7 e Tsunade tinham tentado todos os esforços possíveis para trazê-lo de volta. Naruto ainda estava no hospital por causa da luta que tiveram e Kakashi tinha ido atrás de um possível esconderijo de Orochimaru na noite anterior, mas agora era claro que não tinha conseguido nada. Se fosse sincero, Iruka diria que não tinha esperanças desde o começo, mas seria insensível. Na verdade, o próprio Hatake sabia das míseras chances que tinha naquela missão.

— Eu falhei. De novo! Meu sensei, meus companheiros e meu aluno... — Kakashi alcançou a própria bandana do chão, tomando-a nas mãos e encarando aquele brasão gravado por uns segundos. Os olhos carregados de culpa, o sharingan refletido que o deixava ainda mais arrasado — Parece que não posso ser chamado de shinobi afinal

— Não diga isso!

Iruka sentiu o próprio peito apertar pela tristeza. Deixou o corpo escorregar pelo sofá até ir ao chão, ao lado de Kakashi. Sua mão saiu do ombro dele e começou a acariciar seus cabelos devagar — aqueles fios brancos que pareciam tão ásperos e na verdade eram tão macios. Fazer carinho ali era uma das coisas preferidas do professor dentre todos os contatos físicos que tinham, mas ele preferia quando não precisava ter o objetivo de drenar a infelicidade do outro.

— Se há algum culpado nessa história, acho que sou eu — ele continuou, sério. No fundo também tinha uma culpa pesada — Sasuke foi meu aluno por alguns anos e eu nunca percebi seus problemas, eu deveria ter notado e intervindo antes... Não tinha muito o que você pudesse fazer, não se cobre demais, Kakashi

A situação era complicada. Talvez fossem ambos culpados, talvez inocentes. A notícia sobre Sasuke ainda não tinha se espalhado pela Vila, mas os mais próximos já sabiam e o clima era estranho. Kakashi sabia que teria que suportar com o estigma de ser o sensei do novo renegado, ao mesmo tempo em que teria que lidar com a tristeza e confusão que atingiriam Sakura e Naruto. Nem toda sua experiência o havia preparado pra um momento como aquele.

O silêncio pairou por alguns segundos, o carinho seguindo sem interrupção e o olhar terno e cuidadoso de Iruka que não se desviava. Kakashi já tinha desistido de lutar sozinho contra seus demônios e se sentia agradecido por poder contar com alguém agora, por ter um abraço onde se esconder, palavras encorajadoras para ouvir e carícias para receber. Ainda era difícil, mas ele tentava se desprender daquele seu jeito frio e indiferente de antes aos poucos.

Sem precisar dizer nada, Kakashi apenas girou o corpo no carpete e se entregou ao seu porto seguro, o abraço do homem por quem estava apaixonado. Iruka o aninhou com todo cuidado e carinho que poderia, apenas intensificando o carinho em seus cabelos, ainda calado. Não precisavam exatamente de palavras naquele momento. E ele adorava poder ser o abrigo de alguém, adorava dar abraços e sentir o corpo do Hatake contra o seu.

Kakashi queria saber chorar e colocar tudo para fora naquele instante, mas a verdade era que tinha desaprendido com o tempo. Se tornar um ninja como ele tinha seus preços e um deles era se livrar de grandes emoções ou coisas do tipo. Não gostava de se sentir frio e insensível, mas não conseguia derramar lágrimas. De qualquer forma, estar com Iruka ali, daquele jeito, aquecia seu coração, podia senti-lo se acalmando devagar. Era como recarregar as energias. 

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