Capítulo 1

269 4 1
                                    


Lá e mi bemol. A Morte entra com seu violino.

Danse Macabre é a história da Morte. Uma vez ao ano, à meia-noite do Dia das Bruxas, ela saca seu violino negro para tocar uma sinfonia tão sinistra que é capaz de acordar os mortos. Durante essa noite, quem se atreve a olhar pela janela pode ver os esqueletos dançando feito loucos ao som de sua música.

A sinfonia abre com doze notas idênticas de harpa. São as doze badaladas que anunciam a meia-noite. E a Morte toca em frenesi até os primeiros raios de sol mancharem a escuridão e a aurora obrigar os mortos a voltar para os túmulos.

Dança Macabra. Para tocar como a sinfonia foi concebida, o violinista precisa desafinar de propósito a última corda do instrumento e tocá-la junto com uma corda afinada. Scordatura. Com uma nota errada, o que seria a união harmônica entre as notas lá e mi torna-se o grito agonizante capaz de ressuscitar os mortos.

Lá e mi bemol...

Pego o violino pelo braço, ergo-o à altura dos olhos e o examino. Os veios escuros da madeira ainda nua formam linhas confusas, que se entrelaçam em uma dança macabra sem a menor preocupação com a lógica.

Ainda falta muito para terminar. Preciso passar verniz, prender as cravelhas, instalar as cordas... e inserir a alma. A alma é a última etapa. Por enquanto, o que tenho nas mãos não passa de blocos de madeira grudados inutilmente uns nos outros. Incapazes de música.

Sem cordas nem alma, por mais perfeito que seja, um violino não passa de uma casca vazia e oca.

Isso quase me faz sorrir.

Mas faz muito tempo que eu não sorrio. Já se tornou estranha a sensação. De certa forma, sou como um violino inacabado: uma casca de uma corda só, um eco infinito de notas idênticas. Como as doze badaladas que abrem a sinfonia da Morte no Dia das Bruxas. Sou um violino sem alma, sem cordas nem mesmo para fundir um lá com um mi bemol e invocar os mortos. Porque é como se eu já estivesse morto.

É assim desde que meu pai sequestrou o meu coração.

O VIOLINO DE VIDROOnde histórias criam vida. Descubra agora