Capítulo 3

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Esta noite, tenho um sonho.

Estou à beira do lago. É dia, e a luz do sol vem de algum lugar às minhas costas. A Figueira está vivo de novo, sua superfície caleidoscópica brilhando de todas as cores do mundo. Um vento forte sacode os galhos, e faz as folhas tremerem em uma convulsão de vidro. O tronco conserva uma textura de piche enquanto caminho devagar em direção ao meio do lago. Os pés entram na água gelada, e depois os calcanhares, as canelas, os joelhos... causando perturbações na superfície que destroem o reflexo das nuvens. Joelhos, cintura, peito...

E paro.

Quando estou prestes a mergulhar, o vento cessa. O tempo congela. A Figueira está completamente transparente agora, vidro puro, mas posso ver sua sombra projetada na água. Atrás dele, uma mulher vestida de preto desliza sobre as águas. Está vindo até mim. Os cabelos negros e lisos flutuam como se não houvesse gravidade.

A mulher de preto atravessa a figueira como um fantasma. Quando finalmente consigo ver seu rosto, sei que só pode mesmo ser um fantasma.

– Senhorita Pâmela... – sussurro para mim mesmo.

Ela sorri como se tivesse escutado e para sob a figueira, as mãos juntas à frente do corpo. Os olhos negros me encaram à distância, e escuto uma voz suave vinda do fundo da minha mente:

"Venha, Remo".

Sinto como se as águas estivessem se condensando no fundo do lago, formando degraus sob os meus pés. Subo-os até o corpo inteiro estar de volta à superfície, e começo a caminhar sobre a água em direção à mulher vestida de preto.

– Oi, querido – cumprimenta ela.

Mas não respondo. O sonho me faz apenas seguir adiante, calado.

Quando já estou sob a figueira, ela dá um passo à frente e me beija. Não dura mais que um segundo, mas é o suficiente para eu sentir o calor de seus lábios contra os meus.

Ela não fecha os olhos. Eu, tampouco. Ficamos nos olhando sem piscar enquanto ela se recolhe lentamente de volta para a sombra. Seu rosto está pálido como sempre, mas no sonho não há nenhuma ruga da versão "Senhora" atual. Suas feições firmes e imperturbáveis dão a impressão de ela estar embalsamada.

É a verdadeira. É a srta. Pâmela antes de ter o coração arrancado.

– Estava com saudades – diz ela, e sua boca em linha reta curva-se em um sorriso discreto.

Ainda posso sentir nos lábios o local exato do beijo.

A srta. Pâmela aguarda alguns instantes. Como não digo nada, ela pergunta:

– Você não sente minha falta, Remo?

O vento volta a soprar, e os ramos da figueira chacoalham. Folhas secas caem na superfície do lago e afundam lentamente nas águas escuras.

Ela começa a acariciar o meu rosto. Suas mãos estão mornas.

Baixo a cabeça para não a encarar nos olhos, e reparo no contorno de seus seios marcando o vestido colado ao corpo. O colar de pérolas repousa por cima como se eles fossem um travesseiro.

– Eu senti tanto a sua falta – diz ela, e os seios sobem e descem ao ritmo da respiração. – Tanta falta da sua música!

A srta. Pâmela ergue o meu queixo e me faz fitar seus olhos negros.

– Toque para mim, Remo. Por favor.

E uma voz dolorida sai de minha garganta, que eu não sinto como se fosse minha:

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⏰ Última atualização: May 26, 2022 ⏰

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