ab imo pectore | heechu.

Run devil run.

Os imóveis daquela cidade eram extremamente desvalorizados, isso porque as casas eram antiquadas, os porões inutilizados de entulhos e muitas vezes decorados por resquícios de neve durante o ano inteiro, tão mal cuidadas que pouco se pagava por uma acomodação ampla entretanto muitos dos estudantes preferiam morar juntos — por conveniência — ou pelo número crescente de homicídios na localidade. Heejin divide o apartamento que vive desde os 17 anos, quando sua mãe lhe deixou com aquela casa como única lembrança que um dia ela existiu, somente há três anos porém Karina vive ali, dividindo opiniões sobre receber uma estranha completa em sua residência. — Jimin é uma aluna intercambista que faz Marketing no polo da cidade vizinha e acabou conhecendo Heejin em um rolê coletivo de amigos em comum. Precisando de um local para morar conseguiu descolar uma colega de quarto, conversa vai e conversa vem, e Heejin aceitou facilmente o que causou certo desconforto em suas amigas residentes que passaram a ser extremamente desconfiadas com estranhos - e até mesmo conhecidos. -

Observava a roupa bater dentro da máquina, Heejin sempre lavava as roupas de Siyeon quando ela as deixava em sua casa — até colocava o seu sabão caro que pra garota tinha o cheiro das nuvens e só era utilizado em ocasiões especiais — tentava não escutar a conversa que Karina tinha com a sua namorada na cozinha, cômodo vizinho ao que estava, Karina e Winter eram tão perfeitas que engatilhava em Heejin a romântica incorrigível que vivia no âmago porém naquele dia o sentimento minguava desde que acordou, naquela noite teve um pesadelo horrível que estava sendo traída e pior, que Siyeon a traia com a sua melhor amiga, o semblante entristecido mostrava o quão aquele sonho a havia magoado principalmente por se tratar de Haseul, sua irmã de alma que completava suas frases e a ajudou inúmeras vezes durante seus períodos mais difíceis.

Heejin pegou as roupas já secas e as dobrou deixando tudo em cima da cama, sentou-se ao lado desta e ligou a televisão para que o barulho de fundo ocultasse a conversa na sala, e só assim pode prestar atenção em seu celular — várias mensagens do departamento de polícia apareciam nas notificações e nenhuma mensagem da sua namorada, resolveu digitar algumas baboseiras mas logo desistiu deixando a seguinte mensagem "Suas roupas já estão limpas, pode ir me buscar mais tarde pra gente sair? Tive um pesadelo horrível essa noite em que você estava me traindo, acredita? Acho que estou até com raiva de você." Enviou e resolveu prestar atenção na televisão, Haseul estava na tela e o olhar de Heejin tornou-se soturno, sabia o que vinha a seguir e não poderia evitar ficar entristecida com aquela situação, assim que o rosto de Vivi e Yeojin apareceu com a tarja de desaparecida a garota resolveu desligar a televisão e ir logo trabalhar pra espantar aquela perturbação da sua cabeça.

Todos os dias a mesma coisa. Todo dia levantava cedo, lavava roupas e as levava em uma bolsa para a delegacia antes de desligar a televisão cujo noticiário só passava desgraça, Heejin naturalmente se sentia esperançosa porque era uma pessoa boa mas nem sempre conseguia deixar de se abalar com a fadiga diária.

Um clarão no céu a guiava para a delegacia, ouvindo sua playlist favorita até chegar no local — Vocês viram a Yves? — foi a primeira coisa que perguntou quando chegou, pela sua parceira, mas ninguém parecia tê-la visto naquele dia, então Heejin aproveitou o restante do seu tempo ali para se dedicar aos desenhos que fazia, ignorando a papelada bagunçada por sobre a mesa, tampouco ouviu o relógio soar o fim do expediente, esteve tão entretida com a sua paixão que não percebeu o clarão acompanhá-la na saída também, pegou o celular esquecido no âmbito e olhou as notificações, atipicamente uma mensagem de Siyeon piscava na tela:

"Não inventa de ficar com raiva de mim por isso, eu não tenho nada a ver com as suas paranóias." Heejin balançou a cabeça negativamente, por vezes achava a namorada áspera e frígida demais entretanto naquele momento assentiu como sendo a única culpada pelo recebimento de uma mensagem tão grosseira, afinal suas paranóias atrapalhavam-na em muitas questões e não permitiria que seu relacionamento fosse uma dessas.