A vontade de Hinata

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Aquela mulher não cansava de causar-lhe problemas, até mesmo na morte era um fardo. Sentado no chão e escorando suas costas na parede, Itachi continuava a encarar o corpo sem vida de sua esposa, esparramada no piso de madeira ao lado da cama de casal como se fosse uma boneca de pano. 

O Uchiha não era nem um especialista, mas sabia que o corpo de Hinata começaria a feder após doze horas, e ele estava ali encarando seu corpo a pelo menos três. Se fosse até o jardim naquele momento, chamaria a atenção de seus vizinhos que estavam sempre preocupados com possíveis invasores, e também suas vizinhas, sempre preocupadas em obter uma fofoca nova para comentarem durante o chá das cinco. Pegando a mulher nos braços, percebeu que ela estava muito mais pesada do que antes, resultado de seu corpo inanimado. Evitou olhar para ela, e sem querer bateu sua cabeça na batente da porta enquanto saia do quarto. O barulho poderia chamar a atenção dos garotos, principalmente Naoki que possuía um sono leve. Nervoso, largou novamente o corpo no chão e abriu a porta do filho mais novo, já encontrando-o coçando seus olhinhos. 

"Já está na hora de acordar?" Perguntou. 

"Ainda não." Sua voz saiu trêmula. "Volte a dormir."

"Cadê a mamãe?" Ele questionou antes que o pai saísse. 

"Está dormindo, durma também." Mandou, fechando a porta.

Seu coração batia descompassadamente, resultado do receio em ser pego pela primeira vez após o ato. Pegou novamente o corpo nos braços, e sem olhar para ela, cruzou o corredor e entrou em um dos quartos de visitas. Repousou-a no chão, abriu o closet e conferiu seu espaço, chegando a conclusão de que não havia roupa alguma que poderia ser contaminada pela mulher. Virou-se novamente para Hinata, arrastando-a pelo calcanhar até enfiar seu corpo inteiro no closet. No escuro, finalmente reuniu coragem para olhar para ela. 

Se não estivesse imóvel, poderia afirmar que ela ainda estava viva. Seu rosto estava um pouco roxo e seus lábios esbranquiçados, mas o que realmente o incomodava eram os seus olhos, pois eles não mudaram nada. Brancos e expressivos, encaravam-no como se Hinata estivesse esperando por algo, como sempre foram. Um calafrio transpassou sua coluna, e com a mão direita vacilante, posicionou seus dedos em suas pálpebras e os fechou. 

Agora sim Itachi tinha certeza que Hinata não seria mais um problema. Novamente um riso esgoelado foi contido no começo de sua garganta, mas seus lábios se curvaram para cima em satisfação. Em sátira, aproximou-se dela, se curvando para cima da mulher, aproximando o ouvido de seu rosto inexpressivo. Não podia ouvir sua respiração, estava o mais absoluto silêncio.

Soltou o ar, levantou e fechou a porta do closet. Trancou a porta do quarto e foi para o quarto principal, ele precisava de um banho.

Seria rude demais se Itachi dissesse que aquela foi a sua melhor noite de sono em sete anos?

(...)

Pela manhã, os garotos chamaram pela mãe. Itachi fazia o possível para fazer um café da manhã decente, com ovos mexidos e torradas, mas tudo que conseguiu foi algo completamente desastroso. 

"Sua mãe está dormindo" Respondeu. "Vamos tomar café da manhã na rua hoje."

Eles comeram em uma lanchonete a beira da estrada, Itachi apalpou o topo da cabeça dos dois antes de deixá-los na casa de sua avó, dizendo que não havia encontrado sua esposa pela manhã, com a feição mais preocupada que conseguiu fingir. No trabalho, esticou seus dedos e trabalhou tão contente que não imaginou ser possível. Em sua volta para casa, comprou uma muda de árvore crescida de trinta centímetros e pegou seus meninos.

Eles brincavam à frente da televisão, assistindo um desenho estranho sobre um gato e rato. Enquanto isso, Itachi escrevia cartas e mais cartas, se esforçando ao máximo para replicar a letra elegante e miúda de Hinata. Talvez devesse tê-la feito escrever antes de pôr as mãos em seu pescoço. Por fim, escreveu uma carta genérica, falando tão mal de si mesmo que as pessoas duvidariam muito antes de supor que fora o Uchiha quem escreveu. Uma carta sobre o marido medíocre que era, filhos travessos e a vida cansada que levava por ser obrigada a cuidar de casa, o que a levou a fugir para a cidade em busca de seus sonhos.

O corvo pretoOnde histórias criam vida. Descubra agora