Arco I

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ARIEL

A DEUSA PERDIDA
Ruan Cota





Deuses jamais são esquecidos.

1

Meu nome é Ariel.
Acho que isso é um pequeno relato da minha vida até o momento que eu explodiria, até o momento que a última centelha de bondade extinguiria de todo o meu ser.
Mas vamos pelo começo.
O começo de tudo da minha vida.
Meu nome é Ariel, e sim, esse nome é meio estranho de se ver por Geb, ou até mesmo pelo universo eu acho, mas nunca me questionei sobre isso, nem perguntei aos meus pais, afinal eles estão mortos.
São o que dizem meus pais adotivos, Greg e Michaela. Que meus verdadeiros pais morreram logo depois de me colocarem em um lar adotivo.
Tá, desculpe, agora verdadeiramente do início.
Meu nome é Ariel, eu não sei onde nasci, a única memória que tenho é um clarão, e depois nada. Quando as memórias voltaram eu estava em um orfanato.
O lar das crianças amadas e recuperadas de Eparos. Que lindo nome, mas a beleza ficou apenas no nome mesmo, não me recordo com felicidade sobre lá, e nem me perguntem como eu me lembro de lá, mas sim, eu me recordo de quase todos os momentos da minha vida, desde os meus dois anos de idade, mas antes disso, nada, nada mesmo. Acho que esse foi o motivo que eu quis ser médica.
Vamos voltar de onde parei.
Quando eu tinha dez anos eu apanhei, das próprias crianças do orfanato, é meio surreal que isso aconteceu comigo, mas elas nunca gostaram de mim muito, e quando eu tentei contar para a professora o que eu tinha sofrido ela simplesmente falou.
“Você tem um brilho, as pessoas sentem inveja de você, você devia guardar esse brilho bem no fundo para as crianças não se sentirem intimidadas.”.
Acho que foi uma das coisas mais difíceis que recebi, desde então eu nunca fui 100%, guardei dentro de mim uma parte que jamais poderia aparecer. De jeito nenhum.
Quando completei oito anos, eu era a mais velha do orfanato, ninguém me queria, os pais adotivos diziam que eu tinha um ar de superioridade que eles não gostariam de conviver.
Mas eu era criança e eu realmente não entendia isso, não mesmo, até que um casal chegou no orfanato. Eu detestei eles, eles eram bobos e pareciam dois patetas.
Mas acho que foi a primeira vez que alguém realmente me amou. Quando eu ia completar nove anos de idade, Greg e Michaela me adotaram, e foi a melhor sensação que eu senti, e eu fiz de tudo para eles não me abandonarem, então guardei ainda mais fundo aquele brilho que a professora disse que eu tinha.
Eu me apaguei.
Sempre nos demos muito bem, eu os amava de certa maneira, e eles me amavam, muito, faziam de tudo por mim, eu realmente acreditava no valor que eles me davam, e eu agradecia, e muito, e tentava fazer o máximo para retribuir.
A maior pergunta que eu fazia eles era sobre meus pais verdadeiros, eu sabia que eu era adotada, sempre soube, sempre fui muito inteligente, eu escutava as pessoas falando.
Eles sempre me respondiam a mesma coisa.
“Eles te colocaram no orfanato e depois morreram.”
Mas eu sabia que era mentira. Como?
Toda vez que eu perguntava o motivo da morte mudava, sempre.

—Michalea? —Eu pergunto.
—Por favor Ariel, me chame de mãe. —Ela responde.
—Desculpe, mãe. Como meus pais morreram? —Questiono.
—Ah, isso. —Então ela para e pensa por um tempo. —Afogados! —Ela grita, como se tivesse encontrado a resposta ideal.
Eu concordo, então vou correndo em direção ao Greg, quer dizer, ao meu pai.
—Pai? Como meus pais morreram? —Pergunto.
—Ah filha, não se preocupe com isso. —Ele responde.
—Como? Eu quero muito saber. —Continuo.
—Acho que foram atropelados. Não, queimados. Não, realmente foram atropelados. —Ele conclui.
Afogados.
Queimados.
Atropelados.
Assassinados.
Baleados.
Picados por uma cobra.
Acidente de avião.
Acidente de cavalo.
Uma explosão.
Caíram de um foguete.
Eu ficava extremamente impressionada com a capacidade deles criarem um novo tipo de morte cada vez, então eu simplesmente deixei pra lá, eu sabia que era mentira, mas sabia mais ainda que se eu continuasse eles iriam se cansar de mim, e eu nunca poderia deixar isso ocorrer, então mais uma vez eu enterrei essa dúvida bem fundo dentro de mim.
Nossa casa nunca foi extravagante, era pequena, mas aconchegante, ficava completamente no segundo andar de um prédio bem antigo, que não tinha moradores, só nos, era o que o dinheiro podia pagar. Michaela, quer dizer, minha mãe nunca trabalhou, ela cuidava das coisas de casa e meu pai por sua vez nos sustentava, vida de luxo era algo que não tínhamos.
Mas eu era feliz. Tá, felicidade é algo muito transitório, mas eu era feliz com eles, nunca reclamei, eu vinha de tanta infelicidade que eu gostava daquilo.
Foi no ensino médio que tomei a melhor decisão da minha vida. Eu iria cursar medicina.
Dois pontos importantes me levaram a isso, eu queria muito dinheiro, precisava ajudar meus pais e não podia viver daquele jeito para sempre, precisava de algo rentável e com uma boa retribuição aos meus grandes esforços.
O segundo e maior era que eu precisava entender o que eu tinha, eu passei dois meses procurando sobre esquecimento, e cara, ninguém, existe uma porcentagem, mas a maioria não lembra da sua infância, e eu lembrava de tudo, então por que eu não conseguia lembrar do período antes do orfanato?
E não é querendo desmerecer ninguém, mas eu acho que se eu pesquisasse por conta própria eu acharia a solução.
Quando me formei no ensino médio eu fiz um vestibular, e passei, bem, com 80%, mas passei, e tive que pagar o restante da faculdade, que era muito caro para mim.
Minha família não ia me ajudar, não porque eles não queriam, mas eles não tinham, mal para sobreviver, quanto mais me ajudar em faculdade. Mas eles me apoiaram, nossa, como me apoiaram. E ai eu segui em frente.
Antes da matrícula eu arrumei um emprego, era o pior emprego do mundo, devem ter piores, mas o meu era muito ruim.
Eu era faxineira, mas de um tipo bem ruim, de um bar no centro da cidade, mas o melhor era que eu estava no período da noite, era o único e o que pagava melhor, o que eu não estava esperando era as surpresas que isso iriam me guardar.
Vômito, urina e fezes eram frequentes de eu limpar, e sinceramente, isso era muito difícil de aguentar, muito mesmo, e eu recebia muito mal, o dinheiro ia inteiro para a faculdade e eu ajudava no aluguel, meu pai na comida e nas outras despesas.
Era simples minha rotina, eu saia rapidamente do trabalho e ia para casa, descansava exatas 2 horas e ia para a faculdade, que saudável!
Minha rotina se estendeu assim, até eu sair do emprego no bar, arrumei um emprego em uma floricultura, foi mais fácil, mas eu recebia ainda menos.
Que vida chata, eu diria se eu estivesse lendo isso, com certeza por aí tem histórias cheias de ação e poderes, com assassinos de aluguel e mulheres ricas que lutam com o próprio pai, mas eu prometo que isso muda, não sei quando, mas muda.
Quando eu estava na floricultura eu conheci meu chefe Rodolfo, ele me ajudou muito, deixava eu fazer meus trabalhos escolares no serviço, e deixava eu sair mais cedo e chegar mais tarde de vez em quando.
Mas o dinheiro era pouco, e os semestres encareciam, então tive que sair e procurei outro, virei uma belíssima telefonista, que por mais que não era o emprego dos sonhos, eu conseguia conciliar com a faculdade e o dinheiro era relativamente bom.
Minha relação com a minha família começou a desandar nesse período.
Eles pediam para eu dar um tempo da faculdade, aquilo custava muito para todos e estava me destruindo, mas eu não podia fazer isso, jamais, era uma questão de honra terminar.
Mas faltava muito, mas muito tempo, nem um ano tinha passado e eu já tinha passado por isso tudo. Eu não consigo acreditar como sobrevivi sobre essas coisas.
Mas eu não podia sair, não agora.
Uma mensagem chega em meu telefone.

—Precisamos conversar

Bryan. Ele foi a pessoa mais instável que conheci, nossa história merece uma parte própria, quando eu estava na faculdade, amando a maioria dos professores e detestando tantos outros, alguém me ajudou, de verdade, ele era da minha sala, acho que nunca prestou atenção em mim.
Mas ele era gentil, carinhoso e meigo, e eu até achava que daríamos certo.
Mas vamos lá. Bryan foi meu namorado, primeiro e último, aquele que eu amei, e depois odiei com todas as minhas forças.

Ariel #1 (A Deusa perdida)Onde histórias criam vida. Descubra agora