Arco III

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A maior tristeza em uma traição, e que de fato você não percebe as merdas que a outra pessoa fez e faz, e tenta se culpar a todo momento.
Passei a primeira semana inteira chorando. Faltei a faculdade durante uma semana, quase perdi minha bolsa e as minhas notas começaram a despencar.
Mas, antes, um sentimento de tristeza profunda me assolou, eu achei por muito tempo que a culpa de tudo aquilo foi minha.
“Eu não fui uma boa namorada”.
“Ele deve ter me visto com o Tony”.
“Eu sou um monstro, ele está certo”.
Quando na verdade ele sempre foi o culpado de tudo, e ele quis me trair, e traiu. Mas eu ainda acreditava que era algo relacionado a mim.
A primeira coisa que fiz foi enxugar as lágrimas. Minha mãe chegou no meu quarto, não falou nada, ela não sabia de nada.
Me abraçou e disse.
—Vai ficar tudo bem. Lembre-se sempre, lute com todas suas forças, e quando elas se esgotarem, use as minhas.
Eu amava minha mãe, mas nunca vi ela como de fato uma mãe, eu percebia que ela era uma mãe emprestada. Alguém que eu sabia que estava ali sempre, mas alguém que não era como eu, não entendia o que eu entendia.
Mas naquele momento, quando ela me abraçou, algo era diferente, não parecia ela, parecia outra pessoa, um conforto diferente, a mesma sensação que eu tinha quando eu permanecia sozinha, com meus pensamentos, era como se ela fizesse parte de mim.
Eu fechei os olhos, e senti minha luz interna, fundindo com a dela, ela era o que eu era, e eu gostava da sensação, ela agora parecia minha mãe de verdade, sangue do meu sangue.
Mas quando eu abri os olhos, tudo aquilo sumiu. Eu afastei dela com uma expressão de dúvida, e ela olhou para mim.
—Que foi meu amor? —Ela disse.
—Nada, é que, você estava... diferente. Muito diferente na verdade. —Respondo .
—Em que sentido? Sou eu mesma! —Ela diz dando uma risadinha.
E ela estava falando a verdade, a sensação tinha ido, se eu soubesse eu permanecia com os olhos fechados, era uma sensação boa, um aconchego. E eu não sentia isso com minha mãe, acho que tive um trauma em relação a adoção, foi muito difícil para mim aceitar tudo aquilo, eu só não conseguia ver ela como minha genuína mãe.
Levantei da cama e comecei a me arrumar. Preciso ir para a faculdade, chega de tristezas e melancolias, eu realmente necessito mudar isso.
Abraço minha mãe de novo e fecho os olhos esperando receber a mesma sensação, mas nada, apenas uma retribuição.
—Te amo filha. —Ela diz.
—Também te amo mãe. —Eu respondo.

A primeira coisa que fiz ao chegar na sala foi pedir para mudar. Não foi tão simples assim, eu diria que foi exaustivo e cansativo, e eu sei que essa pacata história de como eu perdi um namorado e meus problemas pessoais é um tédio.
Mas eu prometo que isso chegou a um fim que eu jamais imaginaria, e pra esse fim acontecer eu passei por outras coisas que eu diria que me afundaram ao longo do percurso.
—Professora Morales. —Digo.
—Pois não? —Ela levanta o olhar erguendo os óculos. —Ah, Ariel.
—Preciso trocar de turma.
—Por qual motivo? —Ela questiona.
—Bem, motivos pessoais. —Respondo.
—Então não consigo resolver seus motivos pessoais. —Ela responde.
—Só quero mudar de sala! —Explodo, mas ela abaixa a cabeça e volta a ler seu livro.
—Bryan me traiu, não quero olhar para o rosto dele o resto do ano. —Digo mais baixo.
Morales se espanta, endireita a postura e começa a falar.
—É, sinto muito, eu... —Ela suspira. —Desculpe Ariel, eu só quis saber a fofoca, nem eu nem o diretor conseguimos alterar alunos de salas no meio do período, é muito complicado.
Ela fez eu contar tudo para dizer isso. Sinto uma pequena raiva mas prossigo e sento na cadeira.
Bryan chega, e por incrível que pareça eu ainda acredito que ele me dará uma desculpa convincente, ou que me pedirá perdão pelo que ocorreu.
O que não acontece.
Bryan se aproxima junto de sua turma de amigos e abraçado com uma outra garota, ele finge que nem me viu, e senta do outro lado da sala.
Contenho algumas lágrimas.
Mas sigo na matéria tentando ignorar os sentimentos que sei que tentarão brotar em minha alma.

Os dias na faculdade continuam, cansativos, e dessa vez ter que olhar todos os dias para cara de Bryan me dá uma repulsa muito grande.
Escutar sua voz, ver seus movimentos, isso é de mais para mim.
O tempo passa e minha dor pelo Bryan também passa, como se o vento o jogasse longe, ele tentou, tentou se aproximar, mas os seus amigos incríveis não veriam com bons olhos isso, então ele me deixou de lado.
Resolvi não me aproximar de Tony também, fiquei receosa de passar algo que passei com Bryan, preferi dar tempo ao tempo, e isso foi péssimo.
O primeiro sinal de que eu estava começando meu lento e doloroso processo de afundamento surgiu em uma prova da faculdade.
E pela primeira vez com todo meu esforço eu tirei um zero. E isso me desolou, completou com o fato do meu desinteresse pelas matérias.
Os sinais eram claros e só eu não percebia, um dia a professora Morales me chamou em sua mesa.
—Ariel, pois bem, alguns meses para cá suas notas tem caído muito, isso preocupa tanto a mim quanto aos coordenadores. —Ela disse.
—Eu sei, está sendo tudo muito difícil. —Eu respondo.
Eu estava passando por problemas familiares, meu pai tinha perdido o emprego, eu precisava cada vez mais embarcar em uma jornada de trabalho dobrada, virar a noite e dormir pouquíssimas horas, eu precisava pagar tudo que era possível enquanto meu pai procurasse um emprego.
—Eu sei querida, mas isso pode te dar consequências terríveis, você tem que saber o que é melhor na sua vida. —Ela disse.
O que é melhor na minha vida? Sobreviver ou fazer faculdade? Acho que sabemos a clara resposta sobre isso não é mesmo professora?
Mas estas palavras ficaram só na minha imaginação. Permaneci calada enquanto ela continuava a dizer.
—Você não fez o trabalho dessa semana.
—Sim, eu vou fazer, eu juro, eu nunca deixei de fazer nenhum trabalho escolar, me comprometerei. —Eu disse quase implorando.
—Ariel. —Ela tenta me interromper.
—E além do mais professora, eu acredito que estou progredindo, um trabalho não vai me atrapalhar, eu prometo. —Tento dizer.
—Ariel! —Ela diz mais alto.
Mas eu não escuto, na verdade não quero escutar, sei que será pior, muito pior.
—Eu prometo que eu vou...
Ela me interrompe definitivamente.
—Ariel! Esse já é o terceiro trabalho que você deixa de fazer. E a segunda prova que você simplesmente zera. Você não está tendo comprometimento com a faculdade, e isso poderá gerar severas consequências.
Não consigo dizer nada. Apenas escuto.
—Veja bem Ariel, eu não estou falando isso como sua inimiga, até porque se isso ocorresse a coordenação te informaria, não eu.
—Estou te dizendo como uma amiga, você precisa tomar um jeito em tudo o que está ocorrendo, se não já era. Todo o seu esforço, vai ir por água abaixo.
Eu tentei, juro que tentei me reerguer, mas eu estava esgotada, muito esgotada, além do trabalho meu pai não conseguia arrumar emprego, e eu cai numa espiral de tristezas e frustações.
Comecei perdendo palestras importantíssimas da faculdade, não tinha amigos que me relembrassem, das coisas que eu precisava fazer.
Um dia Bryan chegou até mim, foi uma das coisas mais inusitadas que eu imaginei, ele se aproximou, afastado de todos e disse.
—Eai Ariel, como tu tá?
Não aguentei e explodi.
—Eai Ariel? Como você tem a coragem de chegar em mim assim depois de tudo que você fez? Você me traiu, e me ignorou por meses, e agora vem com essa de como tu tá? Pelo amor de Deus.
Eu queria ter falado isso, mas antes que as palavras saíssem elas morreram na minha boca. E eu não consigo explicar o porque disso, mas eu me sentia refém.
Da faculdade.
Do trabalho.
De Bryan.
Da minha família.
Refém de todos, e nunca livre de mim mesma, dos meus medos, de nada, mas naquele momento eu só respondi.
—É, estou levando a vida.
—Se precisar conversar viu, ainda somos amigos não é? —Ele disse.
Nesse momento eu queria explodir, de verdade, pegar uma faca e matar aquele idiota que achava que suas atitudes não tinham sequer uma consequência.
—Claro.  —Respondi.
Ele foi embora, e parecia que antes quando eu conseguiria me reerguer, foi tirado de mim, arrancado, ele voltou e disse aquelas palavras, e não me deixou bem, nem um pouco.
Eu não queria voltar para ele, isso seria ridículo, mas eu pensei que ele fosse bom, e aquela conversa no final foi o estopim, ele nunca foi bom. Mas eu o perdoaria, e amaria ele de volta, eu sou uma estúpida.
Quando então vi ele beijando a garota que estava abraçado. Mais tarde eu sabia que não era de verdade, era apenas um caso, e ele voltaria, pediria para voltar para mim.
Mas nesse momento não aguentei.
E ai de fato eu afundei.

Ariel #1 (A Deusa perdida)Onde histórias criam vida. Descubra agora