Arco VI

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6

Acordei.
E tudo não havia passado de um sonho, eu não conseguia lembrar exatamente as coisas que me haviam ocorrido, nem das sensações que eu tinha sentido, eu lembro de estar em um lugar. Um lugar fora do tempo, da realidade, um lugar que eu nunca havia visto em toda a minha vida.
E o pior de tudo era que eu lembrava, normalmente meus sonhos não eram tão lembrados, e eu acreditava que isso era devido ao fato de eu lembrar muito da minha infância, mas hoje percebi que eu só não lembrava meus sonhos “normais”, por que eu conseguia lembrar deste, mesmo que fragmentos, eu lembrava.
Lembro também de alguém, uma pessoa tão diferente que eu não conseguia imaginá-la, não conseguia pensar no seu rosto, na sua aparência física, nem lembrar da sua voz, de nada, não conseguia lembrar nem do que ele havia falado.
Algo sobre minha luz interna.
De novo isso.
Eu não aguentava mais as pessoas falarem para eu me mostrar, quando na verdade imploraram para eu me apagar anos atrás, não entendia a discrepância sobre tal informação.
Eu estava perdida, e havia abandonado tudo que eu mais gostava. Meus estudos, meu trabalho, no caso minha independência,  meu amor próprio, minha família. Minha vida.
Minha mãe bate na porta, apenas uma vez, e já começa a abri-la, eu tento me acostumar com a luz que entra pela porta que arde meus olhos.
—Oi meu amor, acordou? —Ela diz.
Não respondo nada.
—Vou te ajudar, vamos beber uma água, levantar, você precisa reagir um pouco, para de tristeza.
Tristeza? Não, eu realmente não estou triste mãe, é bem mais sério que isso.
Seguro em seus braços, meu corpo todo dói, minha mente está embaralhada e confusa, eu levanto e vou em direção a cozinha com minha mãe.
Meu pai está parado na cozinha, sentado na mesa, tomando água também, com as mãos no rosto pensativo.
Me aproximo dele, pego um copo de água e sento ao lado dele, ele dá uma suspirada longa e demorada que me alerta de que algo não está bom como deveria estar.
—Minha filha. —Minha mãe começa.
—Sua faculdade ligou mais cedo, devido seu atraso de trabalhos e, sua falta nas disciplinas, e suas notas baixas e faltas em dias de provas, eles decidiram suspender você, e suspender também a sua bolsa. Eles disseram que tentaram te ligar e fazer negociações, mas que não tiveram respostas, então a melhor atitude que eles tomaram foi essa. O que é um absurdo, eu já liguei para um advogado para a...
Parei de escutar. A faculdade era a coisa que eu mais queria, e a perdi, como um suspiro. Antes de eu me afundar mais uma vez meu pai interrompeu.
—Seu emprego também ligou. —Ele diz.
—Não Greg, combinamos de não falar disso por agora! —Minha mãe interrompe.
Viro para meu pai, e faço uma expressão como se eu quisesse que ele falasse agora, percebo que meus olhos estão marejados com tamanha tristeza da notícia anterior.
—Te demitiram, você não vai a muitas semanas, acharam descaso e te demitiram. E tem mais.
—Greg, pare agora, ou eu prometo que você vai se arrepender. —Minha mãe tenta interromper novamente.
Dou um murro na mesa, ela cala, quero saber de tudo, de tudo mesmo.
—Seremos despejados em dois dias, o aluguel está atrasado, não temos comida, só água, a luz será cortada, e a água já nos deu um aviso. Chegamos definitivamente no fundo do poço. É o fim, afundamos.
As lágrimas rolam pelos meus olhos, a tristeza, ou o que eu estava sentindo, o abismo que me sugava vem com toda força, ele domina minha mente, as trevas dominam meu ser, fico tão abalada e acabada que tenho vontade de sumir, desaparecer, nunca mais voltar, não sei o que fazer, que caminho tomar.
Levanto, ainda bamba, tento andar, cambaleio um pouco, vou me apoiando na parede enquanto tento voltar para o meu quarto.
A campainha toca.
—Ariel! Abre agora! —Bryan fala na porta.
Minha mãe abre e começa a xingá-lo.
—O que você tá fazendo aqui seu delinquente? Não acredito que você teve a audácia de vir na porta da minha casa!
—Cala boca sua burra! —Ele grita com minha mãe e claramente percebo que ele está bêbado.
Meu pai se levanta e parte para cima dele, ele tenta acertá-lo mas Bryan é mais forte, ele derruba meu pai no chão e começa a chutá-lo, sangue escorre pela sua boca enquanto minha mãe chora em prantos.
Me sinto uma idiota inútil por não ter forças para fazer nada, então dou meu primeiro passo em direção a eles.
Bryan corre, em minha direção, ele me agarra, sinto o hálito de cerveja quando ele começa a falar para mim.
—Ariel meu amor, eu te amo, desculpa ter te traído. Fica comigo. —Então ele começa a tentar me beijar.
—Não Bryan, sai, sai agora, eu não quero, você está me machucando!
Ele se agarra em mim, aperta meus braços fortemente e me machuca, me sinto suja e observo meu pai no chão e minha mãe horrorizada.
Ela pega o telefone e liga para a polícia.
—Alô! Precisamos de ajuda! Tem um maníaco aqui na minha casa, ele vai nos matar!
Bryan me solta, e parte para cima da minha mãe. Ele a nocauteia, e volta sua atenção para mim novamente.
—Agora somos só nós sua puta. —Ele diz e começa abrir o zíper.
Então algo em mim muda, a escuridão toda que eu sentia some, a tristeza, desaparece, se eu pudesse usar uma metáfora, eu diria que eu estava afundando, de novo, mas dessa vez eu era a maior nadadora do mundo, e eu era feita de balão, eu nunca ia afundar, por mais que eu tentasse, eu sentia, um brilho. Um brilho vindo direto da minha alma, de tudo que eu sentia, uma felicidade, uma satisfação, ninguém poderia tirar aquilo de mim, nunca mais, eu seria eu mesma, sempre. Então fechei meus olhos e gritei.
—Não! —E um silêncio retumbou por todos os lados.
Quando abri os olhos eu não via mais nada, somente sangue. As paredes, os móveis, o chão, os eletrodomésticos, a porta. Tudo, completamente tudo estava tomado por sangue. Onde havia meu pai e minha mãe desacordados era só sangue, onde havia Bryan era só sangue. Eu havia matado todos eles, e não sabia como.
—Alô! Precisamos de um endereço, quem está falando? Aqui é da polícia!
Peguei o telefone no chão, também sujo de sangue, como toda a casa, ajoelhei, comecei a chorar e disse.
—Fui eu, eu matei todos eles, meus pais. —Uma longa pausa enquanto eu continuava chorando. —Me prendam, por favor, eu sou um demônio!

Ariel #1 (A Deusa perdida)Onde histórias criam vida. Descubra agora