Eu apertava os dedos cruzados sobre a superfície fria da mesa de metal. Meu olhar estava desfocado; meu rosto, lívido.
Eu não lembrava como havia chegado naquela sala de delegacia. Em um instante, eu estava no quarto dos meus pais com um revólver na mão, fitando o corpo ensanguentado e morto do meu pai, e no outro eu estava ali, sentada sozinha embaixo de uma lâmpada fluorescente que piscava a cada trinta ou quarenta segundos. A mesa pequena diante de mim estava vazia. Somente minhas mãos inquietas tiritando sobre ela.
Um policial apareceu cerca de meia hora atrás para me interrogar. Queria saber o que havia acontecido com detalhes, porém tudo que eu havia conseguido dizer era "eu atirei, eu sou culpada". Eu estava em choque. Afinal, eu era o Monstro, eu havia matado meu pai. Aquela frase se repetia em loop dentro da minha cabeça.
Eu era o Monstro. Eu havia matado meu pai.
Durante tanto tempo, eu pensei estar sendo assombrada por uma entidade maligna que me incitava a coisas ruins sempre que aparecia, me encobria com um véu de desespero e angústia tão pesado que fazia doer meus ombros. No entanto, eu era o Monstro. Eu era a entidade maligna que me incitava a fazer coisas ruins contra mim mesma. Eu me encobria com o véu de desespero e angústia tão pesado quanto uma rocha.
Eu era o Monstro.
Eu havia colocado uma arma na minha cabeça, prestes a estraçalhá-la. Eu havia acabado com a vida do meu pai e, consequentemente, com a minha.
Eu era o Monstro. Mas não foi escolha minha me transformar nele...
De repente, a porta da sala onde eu estava se abriu. O mesmo policial velho e esbelto, com um bigode grisalho e farto, apareceu passando por ela.
— Você foi liberada — disse ele, olhando uns papéis que trazia nas mãos.
Eu pisquei os olhos.
— O quê? — pronunciei, confusa.
Ele me encarou.
— Você é Susana Fonseca? — perguntou, impaciente. Eu fiz que sim com veemência. — Então é isso, pode ir— repetiu o velhote. — Sua mãe está te esperando lá fora.
Ainda sem acreditar, eu me levantei e saí da sala. Já passava das cinco da manhã.
Quando cheguei à recepção da delegacia, avistei minha mãe me esperando com uma mistura de calças de dormir e jaqueta de couro com pelinhos. Eu fui até ela.
O lugar estava praticamente vazio, tirando um policial de plantão e uma mulher prestando queixa sobre algo que havia sido furtado.
— Você está bem? — perguntou minha mãe, me segurando pelos ombros quando me aproximei.
— Sim... — respondi com receio. — Eu não vou ser presa ou punida...? — questionei.
Minha mãe fez que não com a cabeça.
— Eu contei a verdade pra eles — falou com os olhos marejados. — Sobre tudo. — Eu a encarei, perplexa. — Eu assinei alguns papéis e é claro que vamos ter alguns encontros com o juiz, mas...tudo o que você fez foi se defender enquanto...tentava... — Minha mãe se calou. Seu queixo tremia em demasiado. Seu rosto todo se contorcia em uma tentativa falha de não chorar.— Eu não fazia ideia de que você se sentia assim, eu... — prosseguiu por fim, chorando. — Eu sei que demorei muito, mas eu vou me esforçar pra melhorar as coisas...pra mim e pra você. Eu prometo.
Dito isso, minha mãe sorriu. Lágrimas escorriam de seus olhos, e ela afagou meus ombros com força. Então, ela me puxou para um abraço apertado e em seguida me soltou. Eu sorri de volta. Meus olhos também se inundaram.
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O Mundo Devorou Susana (Finalizado)
Novela Juvenil- LIVRO À VENDA NA SHOPEE PELO LINK DA BIO - ESSE LIVRO CONTÉM GATILHOS Sinopse: Susana cresceu à sombra da violência doméstica dentro de sua própria casa. Após anos lidando com um pai abusivo e uma mãe submissa, a jovem passa a ser perseguida por...