Parte 1

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Senti a brisa leve atingir minhas costas nuas. Puxei o lençol e não senti dificuldade alguma em me cobrir novamente. Me levantei e encarei do outro lado da cama. Vazio. O lençol da cama amassado e o travesseiro ainda afundado denunciavam que alguém estava ali. Levei minha mão ao lado, ainda era possível sentir seu perfume.

Sai da cama, coloquei uma blusa dele que acabei achando na ponta da cama e segui até a janela do meu quarto. Analisei a rua e, de longe, consegui ver o espaço, onde a moto de Thiago estava, vazio.

Estranho. Normalmente ele me acordava e ficávamos mais um pouco juntos. Tudo bem que ele não era obrigado, nunca foi. O acordo era uma espécie de relacionamento, mas sem obrigações ou compromissos. Era eu quem tinha mania de sair no meio da noite. Ele sempre ficava.

Balancei a cabeça afastando meus pensamentos e cacei um prendedor de cabelo na cômoda do meu lado da cama. Segui pelo chão gelado até a cozinha. Quando me deparei com o balcão, não pude conter o sorriso que surgiu em meus lábios.

"Tive que sair para resolver umas coisas pro meu pai. Desculpa por sair do nada, não queria te acordar :(

Mais tarde eu te mando uma mensagem. Se cuida, minha querida <3"

Tiro o post-it amarelo da xícara branca e fico olhando meio boba ainda. Era a cara dele deixar o café da manhã pronto para mim. O jogo americano azul e cinza estava com uma xícara e prato ambos branco gelo, mais a frente tinha umas torradas e biscoitos amanteigados, uma geleia de frutas vermelhas e uma caixa de pacotes de chá perto da chaleira elétrica que já estava com água.

De alguns tempos pra cá, venho notando o comportamento de Fritz mudando. Parecia ter ficado mais carinhoso e romântico, talvez. Nunca fui uma pessoa de relacionamentos amorosos sérios. Gostava de sair com outras pessoas, mas nada de mais. A solidão nunca me incomodou. Ter alguém jamais tinha me feito falta. Quando Thiago entrou na minha vida, nos tornamos ótimos amigos com o passar do tempo. Até que acabei caindo em uma das suas cantadas e, quando dei por mim, já tinha parte de seu guarda-roupa na segunda gaveta do meu armário. Segurei a xícara de chá quentinha em minhas mãos e inalei o cheiro de hortelã que vinha dela.

Lembro da vez que ele insinuou querer oficializar. Entrei em pânico e consegui mudar de assunto. Foi meio desnecessário, mas ainda tenho um pé atrás com isso.

Ouvi meu celular tocando em algum lugar e apenas segui o som. Quando vi o nome do dono de meus pensamentos, apenas deslizei o dedo para atender a ligação, porém nem deu tempo de dizer qualquer coisa antes de ouvir a voz um tanto desesperada de Thiago:

— Olha, eu preciso que você faça um favor pra mim. Talvez você não curta muito, mas eu gostaria muito se você pudesse fazer isso por mim.

— Meu deus, calma — solto uma risada, mas consigo ver a sua testa franzida e com a mão na cintura demonstrando estar levemente tenso — Se for para esconder um corpo, tá tudo certo. Você ligou pra melhor pessoa da sua lista de contatos pra te ajudar com isso, provavelmente.

— Ha, é verdade... — ele dá uma risada um pouco nervosa e se seguiu de um suspiro nervoso. Agora ele estava me assustando — Então, eu posso ter esquecido que meu pai meio que vai dar uma festa um pouco importante e eu tinha dito que levaria alguém. Eu to precisando de um par.

Thiago se calou do outro lado da linha e eu também. Não estava esperando por isso.

— Olha, se você não quiser, tudo bem. Eu arrumo outra pessoa...

— Não, não. Eu quero. Vou sim.

— Ah, sério? — respondi que sim e ele deu uma risada. — Legal. Bom, agora que você já disse que vai, vou dar mais detalhes da festa. Então não adianta inventar desculpas, estou com uma testemunha aqui. Fala alguma coisa, Cesinha.

— Alguma coisa — a voz de Cesar, irmão de consideração do Thiago, surgiu de repente.

— Você montou uma armadilha então? Que horrível, Thiago Fritz. Você não era assim.

— Pois é. Uma tal de Elizabeth Webber me corrompeu — senti minhas bochechas queimarem e ri baixo — Então, a festa é um jantar beneficente que será meio que um leilão também. É meio chique, até conseguiram fazer o Cesinha tomar banho, quase um milagre.

— Tudo bem, acho que tenho um vestido bonitinho aqui.

Continuamos a conversar mais e ele disse que iria me buscar aqui no apartamento às seis da noite para chegarmos mais cedo. Fui em direção ao meu armário e peguei um de meus vestidos favoritos. Ele era preto, com o decote de ombro a ombro, mas com uma prolongação de renda preta com flores até os cotovelos e a renda continuava no vestido todo com uma saia que era mais curta na frente e se alongava atrás. Eu amava esse vestido demais. Foi a coisa mais linda que minha mãe me havia me deixado. Arrumei minha cama para arrumar o vestido em cima. Mesmo com passar do tempo, ele ainda continuava belíssimo. Conseguia lembrar dos cachos negros da minha mãe descendo pelas costas na minha formatura da faculdade. Ela era muito linda.

Separei um salto preto e peguei minhas coisas para começar a me arrumar. Não acreditei que tinha acordado tão tarde e, como eu não lavei o cabelo, precisava de tempo para ele secar em paz e ficar bom. O tempo foi passando e já estava quase pronta quando eu ouvi alguém batendo na porta. Fui correndo abri-la e depois voltei correndo para o quarto, para me apressar.

— Não esqueça de fechar a porta!

— E quando pensei ser impossível você ficar mais linda...

Thiago me olhou do batente da porta. Ainda tentando terminar de colocar meu brinco, tiro os olhos do espelho e viro em sua direção. Ele está com os braços cruzados e rindo de lado. Já estava com o terno cinza-escuro de alfaiataria, mas só de meias e a gravata no pescoço. Seus olhos se encontraram e eu senti de novo. Parecia estar em um transe. Meu coração deu um salto, minha respiração desregulou e senti meu corpo inteiro esquentar. Alguma coisa mexeu no fundo do meu estômago, quase a mesma sensação de estar em uma montanha-russa. Desviei os olhos para o espelho novamente, terminando de colocar os losangos prateados em minhas orelhas e arrumando a minha franja.

— Liz?

Senti sua voz se aproximando e o seu calor. Peguei minha bolsa de maquiagens e catei o meu batom vermelho favorito.

— Oi — tentei parecer distraída e tentando não demonstrar o quanto aquele olhar seguido da aproximação estava me afetando.

— Tá tudo certo? — ele apoiou o queixo em meu ombro e a barba por fazer me arranhou um pouco. — Você tá... meio estranha esses últimos dias.

— Sim, claro que está tudo bem — terminei de passar o batom e guardei na minha bolsinha preta que combinava com o vestido. Virei para ele sorrindo — Por que não estaria?

— Não sei, né — ele deixa um beijinho leve atrás da minha orelha, afastando meu cabelo daquela área me deixando arrepiada com o toque repentino — É que às vezes você... deixa pra lá. Vamos?

Ele dá um sorriso um pouco fraco e sai do quarto. O acompanho com o olhar e alguma coisa se remexe dentro de mim. Eu nunca tive dificuldade em esconder meus sentimentos, sempre soube mascará-los muito bem. Porém, com Thiago era diferente. Thiago era diferente.

Dei mais uma olhada no espelho e arrumei o prendedor que segurava metade do meu cabelo, enquanto a franja e uma parte ficava solta. Encontrei ele encostado na parede me esperando para finalmente partimos

Melhor sozinha :-)-:Onde histórias criam vida. Descubra agora