Parte 3

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Eu senti ele no meio da noite se aconchegando ao meu lado. Senti ele sentando enquanto fazia carinho em meu cabelo. Senti ele deitando de costas para mim enquanto o ouvi bufar baixo, frustrado.

Fiquei um tempinho acordada depois de escutá-lo chegando. Confesso que nem imaginei que ele iria voltar para casa depois do corte que eu dei nele. Ainda voltava naquela cena. Thiago nervoso, esperando um bom momento para começar o assunto que queria trazer a tanto tempo. Eu percebia. Ele não sabia, mas era óbvio que eu percebia.

Apaguei sem perceber, com a mente a mil ainda. Logo depois, acordei com a mesma sensação da manhã passada: que faltava algo. Olhei pro lado e estava vazio.

— Merda.

Murmurei baixo enquanto caía na cama novamente e esfregava as minhas mãos em meu rosto.

Covarde. Era isso que eu era.

Antes de começar a ter um ataque de raiva e brigar comigo mesma em voz alta, escuto uma movimentação na sala. Levanto da cama e vejo Thiago procurando alguma coisa nas gavetas da cômoda da televisão.

— Quer alguma coisa específica? — pergunto o vendo concentrado na sua missão ali.

— Ah, oi, Liz. Te acordei? — faço que não com a cabeça e ele deixa a gaveta para levantar e falar comigo. — Um documento meu, na verdade da empresa do meu pai. Eu acredito que posso ter esquecido aqui.

— Ah sim. Não faço ideia de onde possa estar.

— Entendi. Que droga.

Ele fala entre um sorriso e eu esboço outro fraco. Fica um silêncio enquanto nos encaramos e ocasionalmente desviamos o olhar para qualquer outro canto da sala. Olhei rápido para a bancada e ele não havia feito nada como ontem. Aquilo doeu um pouco, mas ele não tinha essa obrigação.

— Bom, eu vou indo. Tenho que trabalhar. — ele diz pegando uma mochila e indo em direção a porta.

— Mas hoje é domingo. A empresa não funciona...

— É, mas eu ainda tenho que trabalhar. To cheio de... coisas para fazer.

Eu percebo que a mochila é um pouco grande e Thiago percebe que eu encaro demais para ela. Ele segura a maçaneta e vira a cabeça um pouco pro lado e responde:

— Eu peguei minhas coisas. Achei melhor. Vou levar pra minha casa. Ai qualquer coisa eu não tenho problema de usar a mesma coisa e tenho roupa na minha sala, no trabalho. — ele pigarreia no final da frase, pega o molho de chaves dele e abre a porta. Depois ele vira pra mim, começa a mexer numa chave e levanta pra mim. A chave do meu apartamento. — Aqui. Acho que não vou precisar mais disso.

Meu peito pesa e meu coração parece estar sendo esmagado lentamente. Não, não. O que esse louco tá fazendo? Eu olho pra ele e seu olhar é triste. Seus olhos castanhos, antes sempre tão animados e simpáticos, agora se encontram decepcionados. Nunca havia o visto assim, o mais próximo que eu já tinha visto ele nesse estado foi no enterro do pai do Cesar. Mas essa dor era diferente e eu que causei ela.

Eu pego a chave e vejo ele virando para abrir a porta. Lágrimas enchem meus olhos e minha garganta aperta.

— Thiago, espera.

Ele se vira para mim com expectativa e eu aponto para a camisa branca que eu to usando.

— Essa camisa. Ela é sua. Espera aí que eu vou te devolver.

Eu faço menção de sair e escuto ele rir. Me viro para ele e Thiago passa a mão no rosto, desacreditado.

— O que foi? Achei que queria suas coisas de volta.

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