Montanhas Vermelhas

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As montanhas vermelhas de Colorado Springs são a paisagem que Fred Passos avistava do seu quarto todos os dias. Era o seu ritual: acordar antes dos primeiros raios de sol; descer as escadas de madeira rústica e barulhenta da sua casa de fazenda; preparar seu café preto coado no tecido; subir novamente para o quarto, segurando cuidadosamente a xícara com uma das mãos enquanto a outra se apoia no corrimão. Todos os dias Fred fazia seus sentidos trabalharem em conjunto nesse ritual, principalmente o olfato apreciando aquele aroma matinal, misturando café com o cheiro do orvalho da manhã. Quando já estava no seu quarto, sentava em sua poltrona de couro macio e envelhecido em frente à janela, mas não antes de apoiar a sua xícara de café em uma pequena mesa para abrir as cortinas e assim apreciar a vista que tanto lhe acalentava nos últimos anos.

Fred é um cowboy da região montanhosa de Colorado Springs, com traços típicos dos homens de fivela grande nos seus 46 anos de idade: Um rosto bronzeado pela exposição ao sol, um corpo nem tão magro e nem gordo, mas tonificado, barba e cabelos meio ondulados castanhos, marcados pelo uso frequente do seu inseparável chapéu, todo esse conjunto é destacado pelos seus graúdos olhos esverdeados, herdados do seu pai, Fernando, mas Fred nem sempre morou na sua cidade natal, ele retornou para lá há cinco anos atrás.

Fred nasceu em Colorado Springs, aprendeu desde cedo o ofício de cowboy ajudando seu pai na fazenda, mas a morte de sua mãe quando tinha apenas 12 anos, fez com que ele e seu pai se mudassem para Nova York. Fernando não conseguia mais administrar a fazenda, só estava se atolando em dívidas e assim optou por vendê-la para investir em negócios na grande metrópole. Comprou alguns imóveis em Nova York e passou a viver da renda desses aluguéis. Depois de dois anos morando na Big Apple, Fernando casou novamente, dando um irmão para Fred, Fabrício.

Apesar de Fred ter saído tão cedo de Colorado Springs, esse lugar sempre foi o seu fascínio. Mesmo tendo passado em várias faculdades nos grandes centros universitários, preferiu seguir negócios na área rural. Administrava um haras nas zonas mais afastadas do grande centro de Nova York e lá foi onde conheceu sua esposa Jane, secretária dele na época.

Fred sempre foi um homem pacato. Nunca se deslumbrou com as mordomias de cidade grande, assim também era nos seus relacionamentos, chegou a ter uns namoros compromissados, outros não, até que encontrou Jane e com ela decidiu formar uma família.

Ainda que trabalhasse em ares campestres, o coração de Fred sempre foi voltado para Colorado, as lembranças de sua infância, dos bichos, as montanhas vermelhas e o cheiro da relva traziam a ele uma nostalgia de um tempo maravilhoso. Ele pensava um dia em voltar, mas era difícil, pois toda a sua base familiar morava em Nova York, sua esposa, seu pai e seu irmão Fabrício que é médico neurologista no renomado Hospital Jackson da cidade.

Tudo parecia estruturado na vida de Fred, ele tinha uma boa carreira fazendo aquilo que gostava e na área amorosa estava muito feliz casado com a mulher que muito amava, mas o destino veio com uma forte ventania na vida daquele pacato cowboy. Ainda recém casados, Jane começou a apresentar frequentes desmaios e fortes dores de cabeça. Após uma bateria de exames para investigar a causa desses sintomas, receberam dois resultados que impactaram suas vidas: o primeiro era que Jane estava grávida de 8 semanas do seu primeiro filho e o segundo, um tumor no cérebro em estágio avançado.

Foram 6 meses de profunda agonia e medo que o casal passou. Jane não quis fazer tratamento quimioterápico para não interromper a gravidez. Ela lidou firme durante todo esse período. A vontade de ver seu filho nascer era maior que as suas dores. Filho sim, era um menino, tinham acabado de descobrir o sexo do bebê. Fabrício, irmão de Fred, era o médico responsável em acompanhar Jane na parte neurológica.

Era inverno, a neve já começava a cair esbranquiçando as ruas da cidade de Nova York. Faltava uma semana para o natal de 2017. Fred aguardava ansiosamente notícias de sua esposa na sala de recepção do Hospital Jackson. Naquele dia, Jane teve um desmaio e não retornou a consciência. Fred desesperadamente ligou para o irmão em busca de socorro. Uma veia no cérebro de Jane havia se rompido, era necessária uma cirurgia de emergência. Tanto Jane quanto o bebê corriam risco de morte.

Foram as duas horas mais angustiantes de Fred que aguardava notícias de sua esposa, sentado na cadeira daquele hospital. Ele rezava muito, pedia a Deus que não levasse Jane e nem seu filho que ainda nem nome tinha. Fred mantinha os olhos fixos no corredor de onde os médicos saiam para dar informações aos familiares dos pacientes e finalmente Fabrício apareceu, caminhando lentamente em direção à Fred, balançando a cabeça em negação e levando aos mãos ao rosto. Mesmo sem dizer uma palavra, Fred sentiu que o irmão não lhe traria boas notícias.

- Fred...a Jane não resistiu- Disse Fabricio controlando os pequenos soluços de choro.

Era a frase que Fred não queria ouvir. As lágrimas escorriam dos seus olhos, calado. O mundo parou ali naquele momento, tudo em volta perdia o sentido, mas Fred precisava ter forças , ele tinha um filho.

- E o bebê ? - Perguntou Fred, com a voz embargada, enxugando as lágrimas dos olhos.

- Ele está na UTI neonatal. Ele é muito pequenino, Fred, mas está lutando pra sobreviver. - Responde Fabrício, de uma forma delicada mas realista.

Instantes depois, Fabricio leva o irmão a ala neonatal e mostra a incubadora em que o pequeno bebê estava. Era o menor da ala, um pouco maior que a palma da mão de Fred, ele estava envolto em fios com um fino tubo em sua minúscula boca, mas ainda assim Fred conseguiu ver muitos traços de Jane nele. Ele conversou com o seu filho e teve tempo de falar para aquele pequenino o quanto ele foi amado e esperado. Fred chegou a tocá-lo, sentiu aquela pele tão frágil e avermelhada em suas mãos, no fundo ele pressentia que ali seria a despedida daquele pequeno ser, aquele anjinho se reencontraria em breve com sua mãe.

Algumas horas depois de ver o filho, Fred recebeu mais uma notícia que lhe abriu o chão: o pequenino havia partido. Deus levou para si Jane e o bebê com algumas horas de diferença, tudo aconteceu tão rápido que Fred não teve nem tempo de dar um nome ao filho.

-Por que?! Por que Deus?! - questionava Fred irado e com uma dor no peito dilacerante.

Fred precisava de um culpado, na verdade dois. O culpado dos céus e o culpado da terra e Fabrício foi o escolhido para receber esse fardo do irmão.

As últimas conversas de Fred com seus familiares foi no enterro de Jane e seu filho, na verdade, foram palavras monossilábicas. No dia seguinte, vendeu tudo o que tinha e comprou um rancho em Colorado Springs. Fred passou a véspera de natal de 2017 sozinho, sentado naquela poltrona de couro envelhecido, olhando a janela, esperando os primeiros raios de sol tocar nas montanhas vermelhas, na esperança de aliviar a sua dor.

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