Tio Fred

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- Fred, sou eu... Fabrício.

Uma longa pausa. Fabrício imaginou que Fred pudesse ter desligado o telefone. Foram segundos infinitos até seu irmão responder.

- Oi Fabrício...

Há quanto tempo ele não ouvia a voz grave de Fred, precisamente há cinco anos, desde a morte de sua cunhada e sobrinho. Ouvi-lo do outro lado da linha, reacendia as esperanças de retomar o contato com seu irmão mais velho.

- Oi irmão, quanto tempo. Eu...é...você sabe que eu tenho uma filha, né? Ela irá completar um aninho neste final de semana. Vamos fazer uma pequena festa aqui em casa. Eu...bem...não poderia deixar de convidar o meu único irmão.

Fabrício aguardava ansioso pela resposta de Fred. Ana, sua esposa, também. Ela gesticulava para ele como se quisesse saber o que Fred falava do outro lado da linha. Fabrício tapou com uma das mãos o microfone do celular e cochichou para a esposa "ele ainda não me respondeu".

Longa pausa novamente. Fabrício só ouvia o barulho dos bichos ao longe, eram latidos, grunhidos e cacarejos, mas nada da voz de Fred, até que...

- Eu vou...quero conhecer minha sobrinha. Ela realmente tem os olhos do nosso pai? - Pergunta Fred com mansidão.

-Sim! Tem! - responde Fabrício entusiasmado- Fernanda é linda! Ela vai adorar conhecer o tio cowboy.

- Eu também... Vou me preparar para pegar um voo amanhã. Obrigado por lembrar de mim.

-Você é meu irmão, cara! Nunca esqueci de você. - Diz Fabrício emocionado, com os olhos marejados. Ele desliga o telefone e recebe um abraço caloroso de sua esposa. Ele ansiava por esse momento.

Foram anos carregando a culpa de não ter conseguido salvar a vida da sua cunhada e sobrinho, mesmo tendo sido um resultado imprevisível, além dos recursos médicos e o afastamento de Fred só aumentava o peso daquele fardo.

Ana acompanhou de perto o tormento do marido. Na época da morte de Jane, ela e Fabrício estavam noivos e tiveram que adiar o casamento porque ele entrou em depressão. O fato de Fred ignora-lo, piorava mais ainda seu emocional.

Vários telefonemas, mensagens e e-mails foram enviados para Fred durante esse período, mas não eram respondidos. Maria foi a conexão entre eles, já que Fred não queria nem ouvir a voz do irmão. Era ela que repassava os recados à Fred e vice versa, inclusive, foi ela que comunicou a ele o dia que seu pai faleceu.

Ter tido a oportunidade de falar com seu irmão novamente, mesmo que em poucas palavras, aqueceu o coração de Fabrício. Era uma ponta de esperança.

......

Fred desliga o telefone e fica pensativo. A frase de Jane nos seus sonhos foi a chave para aquela decisão de retornar para Nova York.

-Seu Fred, ouvi o telefone tocar...- Disse Maria com um punhado de lenha nos braços. Fred se aproxima e os carrega para ela , levando-os para a lareira da sala. Maria o acompanha aguardando o cowboy falar quem era ao telefone. Ele faz o caminho em silêncio até chegar à lareira.

- Fabrício ligou...Vou pra Nova York amanhã. -Diz Fred colocando os pedaços de madeira no fogo.

Maria fica surpresa com a notícia e abre um largo sorriso.

-Que notícia maravilhosa! Vocês fizeram as pazes?- Vibra Maria.

- Não é pra tanto...eu vou conhecer a Fernanda,
minha sobrinha. Ela tem os meus olhos, os olhos do meu pai. - Responde Fred com um singelo sorriso no rosto.

Naquela noite fria de inverno, o coração de Fred ficou aquecido. Ele sabia que estava fazendo a coisa certa. "Era isso que você queria de mim, não era? Eu vou virar a página dessa história, não vou mais ficar remoendo o passado. Só me ajuda, Jane"

.........

No dia seguinte, antes de Fred ir para o aeroporto, ele vai ao haras se despedir dos seus cavalos. Ele tem uma profunda gratidão pelos seus bichos, porque foram eles que estiveram ao seu lado nos seus piores momentos. Era como se cada animal se conectasse a sua alma , enxergando o seu íntimo e compreendendo as suas inquietações, principalmente Zeus, o seu cavalo de raça friesian , lindo e robusto , de pelugem negra e brilhante. Era nele que Fred cavalgava pelos vales rochosos, contemplando a beleza da natureza. Era Zeus o bálsamo dos seus dias de mais profunda dor.

- Não vou me demorar, Zeus. Semana que vem estarei aqui. Te prometo que iremos a lugares incríveis , além da montanhas vermelhas, meu amigo - Fred se despede de Zeus e segue para o aeroporto.

Depois de quase cinco horas de voo, Fred desembarca em Nova York e já era quase noite. Ele levava consigo apenas uma bagagem de mão e um urso de pelúcia rosa que comprou no quiosque do aeroporto de Denver. Ele estava nervoso, mas determinado. Antes de atravessar o portão de desembarque, ele para, respira fundo e faz uma breve oração em silêncio:

-Deus, aqui estou... quando eu atravessar aquele portão, estejas comigo pra me dar a força que eu preciso. Amém.- Ele volta a caminhar pelo saguão em direção à saída.

De longe, no local onde os familiares recepcionam os passageiros , Fred avista Ana, segurando um cartaz escrito "Bem vindo, tio Fred"  e Fabricio, levando no colo uma linda bebezinha com dois laços no cabelo.

As lágrimas do cowboy começam a escorrer em seu rosto antes mesmo de chegar até eles. Fabrício ao ver o irmão emocionado, vai à frente e é o primeiro a abraçá-lo. Uma cena linda e emocionante de se ver, chegava a chamar atenção dos passageiros que ali transitavam. Ana acompanha os abraçando também. A família Passos reunida novamente.

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