Capítulo 05: Existir

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Sonhei com meu irmão. Acho que é isso o que acontece quando você permite que memórias sentimentais retornem à consciência. Você começa a pensar repetidamente no que aconteceu e mesmo durante a noite, quando seu corpo se entrega ao descanso, não consegue parar de pensar em como gostaria que as coisas fossem diferentes, no quanto deseja por ter o poder de mudar o passado e, como em um passe de mágica, fazer surgir um novo futuro no qual as dores que sente não mais existirão e as despedidas feitas se transformarão em reencontros há muito desejados.

Mas ele estava feliz. Felipe estava feliz. Sonhei que ele caminhava pela orla da praia, permitindo que as águas do mar molhassem seus pés, enquanto sorria daquele jeito que me fazia acreditar que o mundo fosse um lugar seguro para “pessoas como eu”. Aquele sonho me fez pensar que, seja lá o que há do outro lado, meu irmão estava bem, em paz, contente. Não era justo que eu o culpasse. Não era justo que eu o condenasse por ter ido embora. Se tivesse que culpar alguém teria que ser a vida. Ela fora imprevisível. Ela tirara de mim algo que eu amava. Então era a ela quem eu deveria culpar.

Porém, talvez também fosse injusto culpar a vida e passar a odiá-la com todas as forças. Eu não deveria ser tão intransigente com a vida. Tão rude. Tão arisco. Ela também é capaz de surpreender de maneiras positivamente esquisitas. Ela pode fazer com que sintamos coisas que não imaginávamos poder sentir. Não depois de nos sentirmos como mortos. Não depois de termos passado por provações que tiraram de nós a esperança em sua boa vontade. Mas a verdade é que ela continua. E às vezes falamos isso com certo desdém, com um certo desconsolo, como se fosse terrível que depois da tempestade ela simplesmente continuasse. Mas não percebemos que ao continuar, a vida apresenta novas oportunidades de felicidade. É por isso que a vida continua. As experiências prosseguem. E a cada esquina uma surpresa pode estar nos esperando.

E eu não poderia mais culpar a vida e evitá-la porque finalmente, depois de meses de tristeza e solidão, eu conseguia olhar para alguém e acreditar que algo bom poderia ser vivido. Eu tinha conseguido falar de uma pessoa importante cujas simples memórias me faziam sangrar sem que ninguém percebesse. Mas a vida trouxe alguém para o meu caminho que me fez sentir confortável o bastante para tocar em feridas profundas. A vida trouxe alguém para a minha história que me fazia acordar cedo ansioso por chegar à escola. A vida colocou alguém ao meu lado que me fazia voltar a sorrir.

— Esquisito... — Falei apenas para mostrar que estava por perto.

— Bernardo! — Iago falou sorrindo como de costume, apoiando-se em meu braço como disse que faria.

— Boa aula, meninos. — Apressada, Adriana se despediu de nós. — Até mais tarde, querido.

— Bom trabalho, mãe.

Enquanto Adriana se afastava, Iago e eu começamos nossos passos rumo à escola. Por algum momento o silêncio imperou. Mas eu estava cansado do silêncio. Chega uma hora que o silêncio incomoda. Chega uma hora que a única coisa que você quer é sentir que existe. E para isso, precisa afastar o silêncio.

— Tudo bem?

— Tirando o fato que precisei tomar dois banhos antes de vir para cá, está tudo ótimo! — Ele respondeu divertido.

— Alguém estava mesmo querendo ficar cheiroso.

— Antes fosse só por isso... Ainda não me acostumei à casa nova. No quintal tem um jardim lindo, mas traiçoeiro. Enquanto eu ia para o carro acabei tropeçando e me misturando às plantas. Mas choveu durante a madrugada, então nem preciso dizer como é que estava a situação...

— Precisa olhar por onde anda — falei em meio à gargalhada.

— E eu olho! — Ele se defendeu. — Mas acho que estou meio cego. — Era interessante a forma como ele conseguia se divertir com a própria condição. Talvez fosse esse o segredo da felicidade. Além de conseguir rir de si mesmo, conseguir usar as adversidades da vida ao seu favor para fazer alguém “como eu” expressar um sorriso em meio à dor na qual se afogava. — E você? Como está?

Meu OrgulhoOnde histórias criam vida. Descubra agora