4 DIAS PARA O FIM

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Após a minha crise, Carlos não fez muitas perguntas, só segurou minha mão e perguntou se eu estava bem. Acenei que sim.

-Te explicarei tudo amanhã, gostaria de aproveitar esse momento com você. -Digo com uma voz um pouco mexida.

Envergonhado por ter chorado do nada durante um beijo, fiquei pensando que ele deve achar que sou emocionado ou doido, talvez os dois. Após ficarmos alguns minutos no carro, se beijando e ouvindo música, ele diz que tem que ir por que acorda cedo para o trabalho, eu concordo, dou um último beijo nele, e dou boa noite. Vou para casa, anestesiado por ele ter correspondido o que sinto, e preocupado dele não querer mais falar comigo por conta da minha crise.

Ao entrar sinto a casa vazia, nunca tinha sentido minha casa assim antes, mas agora sinto que algo não faz sentido, deito na cama e fico olhando para o teto, imaginando uma vida que não vou ter, posso sentir seu gosto agora, um breve resumo, mas não terei filhos, um casamento, férias em algum lugar bem duvidoso, minha mente vai repassando ela vida em teoria perfeita, até que meus olhos começam a fechar e ficar pesado. 

Na manhã seguinte, acordo e dou um pulo da cama, tomo um café rápido, eu pego as chaves do carro e vou ao encontro de Carlos. Chegando lá, me sinto nervoso, mas tenho que falar logo com ele, nosso tempo não é mais o mesmo, o chamo de canto e seguro na mão dele.

-A gente pode conversar? -Digo baixinho, como se tivesse uma escuta em algum lugar.

-Por que está cochichando? Diz ele.

-Desculpa, podemos ir para um lugar calmo?

Ele acena que sim com a cabeça. Nos dirigimos até o carro, e ele diz que conhece um lugar calmo que podemos ir, ele coloca as coordenadas no gps, e seguimos. Durante o trajeto viro para ele e pergunto.

-O que faria se o mundo fosse acabar em breve? Você tem uma lista? ou alguma ideia?

Ele olha para mim curioso, pensativo, e me diz:

-Se o mundo fosse acabar em breve? Bem, eu gostaria de ver o pôr do sol nu.

-Nu? pergunto.

-Sim, nu. Eu entendo a sociedade ainda ser careta, mas se nascemos nus, porque não no fim, estarmos nus também? Não acha? Eu acho que existe um pouco de poesia nisso.

-Realmente faz sentido.

Chagamos ao destino, ele me trouxe ao Minhocão, O minhocão se tornou um parque elevado, tombado pelo governo após a grande revolução, remodelaram a cidade, e hoje é um lugar muito bonito.

Descemos do carro e caminhamos, tem quase ninguém nessa hora do dia, o sol quente na nossa pele, eu o olho mais uma vez, criando coragem antes de despejar sobre ele o fim próximo. Eu estou apreensivo em dizer a ele o que sei, mas não acho justo deixá-lo no escuro, eu quero que ele saiba para ele decidir o que fazer com o tempo que tem. Pergunto se ele confiaria em mim, e seguro em suas mãos. Ele acena que sim com a cabeça.

-O que vou te dizer é algo confidencial, e extremamente triste, eu deveria ter te contato desde o primeiro momento que te vi, mas não sabia como dizer, e não sabia se você ficaria bravo, ou surtaria. - RESPIRO FUNDO - o mundo que conhecemos, essa vida que teimamos em viver como se fossemos imortais, está para acabar.

Carlos me olha sem entender e questiona:

-O que você quer dizer com isso? Você está doente?

Eu respondo, novamente em lagrimas, meu choro é mais de raiva que medo.

-Não, eu não estou doente, em 4 dias, um asteroide vai nos atingir, eu fui dispensado do trabalho e em breve eles farão o comunicado na TV, em breve tudo isso aqui que conhecemos virará um caos, até que, não terá mais nada.

Carlos me olha por um minuto, ainda processando e corre para vomitar, me olha e questiona se é uma brincadeira de mal gosto. Aceno que não, por um momento ele não consegue respirar, está assustado, ele se senta no chão e eu me sento a seu lado. Estendo minha mão até a dele, e pergunto se está tudo bem.

-Eu não sei o que pensar, eu acho que não quero morrer, pelo menos não sozinho. -Diz ele assustado.

-Por que sozinho? O questiono.

-Meus pais não são mais vivos, e não tenho familiares próximos, minha avó não me aceita, então estou sozinho.

Ele começa a chorar, eu o abraço e digo.

-Você não está mais sozinho, eu sei que é loucura, mas você não está só, eu estou aqui com você, sempre gostei de você, talvez seja egoísmo meu, mas quando soube do fim, pensei em você, você está no topo da minha lista do fim do mundo, criei coragem para dizer oi, e parece tão errado, mas eu tinha que tentar.

Carlos me olha, com o rosto inchado e ri.

-Eu sempre tive uma queda por você também, com seu café e sua torrada, mas não é muito ético dar em cima de clientes, então eu o admirava secretamente, engraçado que precisou de um asteroide para que a gente saísse juntos, será as estrelas nos ajudando?

Eu dei uma risadinha descontrolada. Respirofundo, e digo que precisava ver meus pais. Eles moram no ABC, pergunto seCarlos gostaria de ir junto, e ele acena que sim, e diz que queria ver a suaAvó também, mesmo eles não sendo próximos, por sorte, eles moram em cidadesvizinhas. 

Ficamos um tempo parados, sentados, olhando o movimento de algumas pessoas que estavam pelo parque.

-Você acha que estamos sendo punidos? Diz Carlos pensativo. 

-Talvez, algumas pessoas eu entenderia a punição, mas por exemplo uma criança recém nascida? ou pessoas que nem tiveram chance de viver essa vida?

-É injusto né? Minha avó é bem religiosa, cresci nesse meio, e mesmo não frequentando a igreja, as vezes eu penso que talvez exista sim um proposito, talvez nada tenha sido em vão. 

-Talvez a gente se encontre em outra vida, com outros corpos, em outro planeta. Fantasioso?

-Talvez um pouco... Mas tem tanta coisa que a gente nem imagina que existe. 

-Eu sei que tudo está indo pelos ares, mas ainda não foi, aceita um cachorro quente? por minha conta. Questiono Carlos, que está claramente nervoso. 

Ele aceita. Pegamos nossos lanches e continuamos andando em direção ao carro. em silencio, mas um silencio que se comunicava, eu sentia que Carlos estava ali comigo, ele decidiu ficar, não surtou nem fugiu, ele decidiu ficar. 

É assim que acaba?Onde histórias criam vida. Descubra agora