Capítulo I

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Após um dia longo de trabalho, um morcego azul usando óculos escuros em formato de coração, estava de um lado para o outro impaciente na calçada da balada, esta que estava à uns 20 metros de distância; estava esperando seu amigo chegar. O animal voador vestia shorts brancos com camisa regata amarela de flores vermelhas, descalço, pois não existia calçados para morcegos e nem precisavam, os pés deles eram duros o suficiente. E nem precisavam andar por motivos óbvios.
Surge da esquina esquerda da rua uma caminhonete grandalhona e preta, a altura da cabine era maior do que normalmente se via por aí, sendo este um veículo especial. O pequenino voa em direção à caminhonete, em que o tamanho das rodas era maior que o dele. A janela do motorista estava aberta, fazendo ele entrar por ela mesmo, passando por um peitoral gigantesco, e se sentando no enorme banco de carona.
- Até que enfim Leandro! Pensei que a gente não fosse nunca!
Este era o dono deste peitoral. Leandro era um veado de cor marrom-alaranjado, vestindo uma camisa regata cavada azul, com shorts preto  e uma bandana da mesma cor que a camisa. E é claro, Leandro era extremamente musculoso, tinha um grande corpo definido de cima à baixo de seu corpo, sua altura o ajudou mais ainda à ter esse corpo. Ele tinha chifres bem altos, o que fazia ser necessário aquele veículo ser especial, sendo estes chifres bem encerados por seu amigo.
- Ah Marcos... você sabe que eu trabalho um pouco mais que você né?
- Eu sei, a gente trabalha junto ora! Eu pensei que não daria pra você vir por conta disso!
- Malhei pouquinho só por causa do dia de hoje.
- Ah mas vai valer a pena! Hoje tem o show do mc periquitinho que vai ser foda! – O morcego pula de alegria, esse era seu Mc favorito, e ir com seu amigo seria melhor ainda. – Trouxe o casacão?
- Claro que trouxe! – O veado puxa um casaco de espuma azul escuro de trás do banco. – Pensa que esqueci de seu ingresso? – Ele pisca, o outro também.
Quando Leandro sai do carro, ele veste o casaco. Marcos sobe no ombro dele, e se esconde dentro do casaco. Leandro tomou um banho na academia, por consideração. Ao chegar na inspeção do baile, o segurança urso suspeitou muito sobre aquele cara, fazendo uma vasculha mais profunda, lhe apoupando mais. O morcego se rastejava de um lado para o outro, pelo corpo do veado, fugindo da mão do segurança. Marcos seguia uma temperatura que andava pelo corpo de Leandro, o ajudando no esquema.
- Tire o casaco.
- Quer que eu tire o casaco? Está bem. – Com habilidade, ele tira o casaco, com o amigo dentro dele sem ter suspeita de nada. O urso vasculha novamente e nada. Tentou até ver o casaco, mas estava vazio, pois Leandro deixou o casaco encostado em sua perna, podendo o morcego se esconder por trás dos músculos do amigo.
- Limpo, pode ir. – O urso entrega o casaco, que havia um objeto preto com ponta branca no bolso interno. – Você tem que colocar sua varinha em um armário, pois não permitimos o porte aqui nessa balada. Você pode alugar um ali do lado direito.
- Valeu. – Leandro pega o casaco por trás e o veste, o pequeno estava se segurando pela gola da camisa regata, sendo logo todo coberto. Após entrarem no meio da balada, falam ao mesmo tempo:
- Todo mundo paga meia! - Marcos dá um soquinho no gigante soco de Leandro.
A casa de show estava bem cheia, com luzes rosas e azuis invadindo todos os cantos, acompanhada de uma leve fumaça. Ainda não tinha começado o show, apenas tinham colocado alguns playbacks para o clima esquentar, tendo assim algumas pessoas dançando na pista. As roupas eram dos mais variados tipos e cores, com enfeites de brincos brilhantes, colares prateados que reluziam tudo, roupas reveladoras, mostrando muito o corpo, tanto para mulheres quanto para homens. No fundo, estava o palco, com uma lona preta.
- Eu só quero dançar quando o Periquitinho aparecer! Quero ficar doido nessa hora! – Falava Marcos, muito ansioso, não sabendo se estava ansioso por entrar escondido ou se era pelo show, que era seu primeiro. Já havia entrado escondido em outros eventos, como cinemas junto de Leandro.
- Eu também, se fosse pra dançar com mp3 eu estaria em casa. Vamos sentar em alguma mesa. – Eles conseguem uma mesa que só tinha uma cadeira, mas não tinha problema, era perto do palco e o Morcego ficava bem descansado no casaco em cima da mesa, era como se fosse um grande sofá para ele.
- Aí sim! – O pequeno se espreguiça. – Pede uma bebida pra gente. E um rango também!
- Beleza, garçom! – Leandro tinha 33 anos, e Marcos completou 29 uma semana atrás, e essa era como uma festa de aniversário entre os dois. Eles se conheceram à 10 anos, onde trabalhavam em uma lanchonete, sendo o veado acabado de entrar no emprego. Marcos estava lá fazia 3 anos, e estava cansado daquela rotina estúpida, sempre posicionado no caixa, à 3 anos, por ser a única função capaz de fazer por conta de seu tamanho, ele pulava de um lado para o outro apertando as teclas e carregando o dinheiro de vendas e trocos. Nunca tinha sido promovido à nada, pelo mesmo motivo. Não conseguia segurar um esfregão, para fazer sanduíche seria só usando o corpo todo, o que seria anti-higiênico; batatas? Como segurar o pesado cesto? E colocar as batatas na embalagem? Impossível.
Só que quando Leandro chegou, o morcego ficou impressionado como aquele cara ficava nervoso para fazer qualquer coisa na cozinha: deixava cair molho no chão, carnes, embalagens... como alguém tão alto como ele conseguia ser tão desajeitado? O morcego quis ajudar o veado, que nessa época era bem mais magro.
- Aí cara, não fica nervoso.
- Ah?! Mas eu não tô nervoso! Eu tô tranquilo! – Dizia isso enquanto preparava um sanduíche sem carne. O caixa de Marcos era próximo à cozinha, possibilitando esta conversa.
- Esse sanduíche são duas carnes. Tem uma listinha completa de todos eles na sua frente.
- Ah, é mesmo! – Dizia isso pois havia esquecido esse fato umas 3 vezes.
- E na hora de embalar, você precisa... – O morcego sabia dessas coisas pois via tudo isso acontecer à 3 anos, simplesmente era impossível esquecer tudo o que via, mesmo nunca ter feito nada, pois tinha curiosidade. Com o passar dos dias, com certa confusão no processo, Leandro conseguia ter mais confiança e calma em seu trabalho, sendo um incrível funcionário que se destacava, conseguindo uma boa promoção no futuro, tudo graças à paciência de Marcos, que acabou um gostando do outro, formando essa amizade.
- Cara, eu acho que você devia malhar, olha o seu tamanho! – Falava com ele uma vez, quando estavam no intervalo. – A empresa dá desconto em academia sabia?
- Eu?! Claro que não!
- Pode sim! Eu que queria ter sua altura! Meu corpinho não consegue pegar muito músculo. E se pegar, como vou voar?
- Para cara, eu tenho preguiça! – E ficou os dois nessa, com Marcos insistindo muito, e Leandro negando totalmente durante dias.
- Ah isso não é pra mim Marcos! Para de encher o meu saco! – Disse no final de um dia de trabalho, irritado.
- É que você devia aproveitar o que você tem. Eu não consigo crescer aqui como você conseguiu... – O amigo se entristece. - ...por eu ser quem eu sou.
- Ah? Como assim? – Marcos explica a sua situação no emprego para o amigo, que fica tão triste como ele. Na verdade, se sentiu privilegiado por conta de ter uma grande altura, coisa que antes não sentia, até seus pais falavam isso. Só com o Marcos é que realmente ele sentiu essa auto-valorização.
- E também, tenho medo de não conseguir algo melhor por aí, nem todo mundo gosta de ser atendido por um morcego...
- Quer saber? Vou malhar mesmo! Na sua homenagem.
- Ah?! Homenagem?
- É, vou ficar forte para te homenagear, por me ajudar aqui.
- Ah para Há Há! – O morcego até se sentiu envergonhado com aquela estranha promessa, ele só queria que o amigo aproveitasse o que a natureza lhe tinha dado. Mas ficou impressionado quando de uns tempos para lá, o corpo de Leandro realmente estava aumentando à cada dia, no começo ele ficava sem graça, mas logo isso se tornou curiosidade, fazendo ele ir na academia de Leandro de vez em quando, dando apoio moral para continuar cada vez mais forte.
Quando estava quase perto do seu estado atual, ele deu uma cansada nos pesos, e Marcos não aceitou isso. Reclamou e reclamou muito para Leandro continuar, sendo quase um treinador na academia.
- Força! Mexa essa bunda! Sem moleza!
- Ahhhhhhg!!! – Estava puxando um ferro tão pesado que a barra chegava à entortar. Quando a barra chegou ao seu peito, os braços dele travaram. – Não dá!
- Dá sim! Você chegou até aqui e já vai parar?! Tá de sacanagem!? Eu não saio daqui até essa barra estar no céu!
Leandro grunia muito, se esforçando para aos poucos subir o peso.
- Vai! Já tá saindo do lugar!
Com muito grito e dor, ele sobe o maldito ferro aos céus, para jogar com força no chão do inferno.
- Éééééé! Não disse que dava porra?! – Voava de alegria o morcego.
- Tenho que beber uns 2 litros de água na moral. – Ao se sentar na cadeira e pegar sua garrafa, viu que estava vazia.
- Deixa que eu vou lá encher pra você. – O morcego pega o objeto pela alça e sai voando até o bebedouro.
O veado respirava fundo de tanto cansaço, mas que valia a pena. Quando o ânimo voltou, levantou-se e andou até as grandes janelas da academia, para ver os carros na avenida, naquela noite de chuva. Viu então um outdoor da Escola de Magia Paula Coelha. Era um anúncio recém posto, pois no dia anterior vira uns caras colando ele. Pensou muito à respeito, e sabia que era loucura, mas valeria a pena.
Marcos voltou andando, segurando a garrafa como se fosse um galão de água, mesmo que Leandro pudesse pegar sozinho, o morcego insistia em pegar por ele.
- Aqui Leandro.
- Valeu. Aí, olha aquele anúncio lá. É da escola de magia.
- Hum, o que tem?
- Vamos virar mágicos?
- Quê?! Tá zuando?
- Sério cara! Tá dizendo que alunos podem até conseguir estágio se forem destaque! Daria pra ganhar dinheiro com um trabalho incrível!
Marcos nunca pensaria em trabalhar com magia, achava algo realmente incrível, pois precisava que a pessoa se capacitasse muito para chegar à um bom nível mágico. Ele tinha respeito por essas pessoas. Pessoas que ele nunca pensaria em ser.
- Não sei se vão aceitar morcegos...
- Aceitam sim! Tá escrito ali ó, que a mágica é multi-espécie. Eu já até ouvi falar de rato que é professor!
- Ah para, isso não é pra mim! Deve ser muito difícil entrar!
- E ficar naquele caixa é pra você? – Leandro se agacha, e fica de frente para o amigo. Criando uma enorme sombra em cima do pequeno animal. E Leandro fica bem escuro pela luz batendo atrás de si. – Eu acho que você tem potencial Marcos, potencial para fazer algo que goste.
- ... – Marcos emudesse, olhando para os lados.
- E você não é um rato cara! Você é um cara incrível que consegue fazer as coisas bem! Eu não estaria aqui sem você.
- Eu não sou tudo isso...
- É sim! – Leandro tira a camisa, e possa para Marcos, enrijecendo seus músculos. – Eu não conseguiria esse corpo sem você! Você foi capaz de mudar a minha perspectiva de vida, e agora eu quero mudar a sua. Já havia um tempo que eu queria fazer algo grande com você. – O veado se sentia necessário na vida de seu amigo, pois seu amigo foi necessário para a vida dele.
- Não é isso... – Marcos vira de costas, envergonhado ainda mais pela última frase. – É que meu salário não vai dar pra pagar essas mensalidades e tudo mais. – Não era só isso.
- Por quê está falando isso? Eu vou te ajudar com o meu ora!
Marcos abre os pequenos olhos por trás dos óculos escuros de formato de luas (Com borda azul) e fica de frente para o amigo.
- Sério?! Mas não vai ficar puxado pra você?
- Vai ser puxado pra nós dois, mas é melhor estar na merda acompanhado do que sozinho! – Leandro estende um punho. – Vai ser foda, mas vai valer a pena. Eu não quero te ver naquele caixa pra sempre. Você me ajudou, agora eu te ajudo!
Marcos lacrimeja diante da ação caridosa do amigo, que não poderia recusar. A alegria do amigo simplesmente ajudá-lo era maior do que entrar na escola. Se sentia atraído à ir junto com o amigo aonde quer que fosse.
- Bora! – Marcos responde com um soquinho.
E após muito esforço para passar na prova de admissão, muito estudo nas aulas e dias sem dormir, os dois finalmente conseguiram um estágio. Passando uns anos, chegaram à ser professores de Magia. Leandro conseguiu uma posição ainda maior, a de mestre. Era como um diretor da escola, só que havia mais de um deles. Marcos já estava muito satisfeito com sua posição, pois estava ganhando bem para fazer algo que realmente gostava de fazer. Porém o mais importante, tanto um para o outro pensava assim, era um estar tão bem quanto o outro. Isso era o mais importante.
- Aqui está parceiro. – Trouxe uma cerveja o garçom bode, que usava uma viseira laranja e casaco da mesma cor. Ele abre as duas.
- Obrigado. – Disse Leandro, enchendo o próprio copo. Em seguida, ele pega a tampinha de metal e a enche com seu copo.
- Valeu! – Agradeceu Marcos.
- Só toma cuidado pra não inchar a barriga e não conseguir mais voar hein?
- Há! Vou nada! Só vou ficar maluco o suficiente para o show! – Ele bebe, segurando a tampinha como se a gente fosse beber o restinho da sopa, fazendo um biquinho e chupando.
- Atenção! Atenção! A periquitagem vai começar! – Ouviu -se uma voz eletrônica saindo do meio do som da balada, interrompendo o playback. Todo mundo grita loucamente comemorando que o show já ia começar.
- Porra! Vai começar! É hora do Mc Periquitinho! – O morcego começa à voar, tentando ver o artista.
- Espera aí mano! Fica calmo!
- Ah eu não consigo! Nunca fui num show na minha vida! Vai ser muito foda!
No palco, a fumaça começa à aumentar, deixando as luzes bem definidas, em que apontavam para a lona preta.
- Vindo de Júpiter, a lenda jovem do funk! Mc Periquitinho com as suas periquetes! – Após anunciar, a lona sobe, mostrando a grande surpresa. No meio, estava Mc Periquitinho, um magro periquito verde de cabelos despenteados e em pé, vestindo camisa regata laranja, shorts azuis curtos e um óculos escuro quadrado, com as duas asas bem abertas, como se tentasse abraçar a plateia. No seu lado esquerdo e direito, respectivamente, estava uma vaca e uma galinha, usando shorts curtíssimos e algo que quase parecia um sutiã, mostrando muito dos decotes e a parte de baixo dos seios. Posando bem sentadinhas no chão.
- Fala aiii Caraííí!!! – Ele retira o microfone que estava em sua cintura. - Aqui agora é pra quebrar tudo!!! Mc Periquitinho invadindo!!!
O delírio toma conta, Marcos voa de alegria com aquela festa.
- Hoje eu tô muito doido tá ligado crias? Hoje eu tô no grau pra fazer loucura! Não é minha linda? – Ele coloca o microfone em frente à boca da galinha.
- Ah hoje ele tá demais! Ele tá muito engraçadinho comi... – Ela é interrompida, pois o Mc batia levemente o microfone em sua bochecha, dando alusão à outra coisa. A outra periquete não consegue segurar e ri da parceira, junto com o público. O periquito não deixa barato e segura a outra mulher pelo rabo, tendo ela que empinar o traseiro de frente para a balada para não se machucar, ficando de quatro.
- Aí Aí meu rabo Mc! Tá doendo!
- Ah mas eu não deixo pegarem meus holofotes não! Vai virar meu tambor de vaca! – Ele pega o mesmo microfone e fica batendo na bunda dela, igualzinho à um tambor. – Lança a braba produção! – Começou o batidão, que Mc Periquitinho teve questão de bater na bunda da vaca no ritmo dos primeiros segundos da música, até largar ela igual um objeto.
- Vambora novinhas! Aqui não é lugar pra se trabalhar deitada! Rebolando!
E as meninas começaram à dançar sensualmente pelo palco, exaltando o pássaro verde como um deus grego. Ele finalmente começa à cantar, as letras eram basicamente apologia à todo tipo de barbárie possível: Crime organizado, escravidão sexual e consumo de drogas. O povo amava Mc Periquitinho, e Mc Periquitinho amava seu público e suas Periquetes.
- Ah mas eu vou ficar doidão agora! – O morcego vira a tampa de cerveja no próprio rosto, o molhando todo. – OHHOU!
- Espera aí Marcos, queria te dar um presente. – Leandro retira do casaco metade de um tabuleiro de xadrez.
- Ah?! Eu nem sei jogar essa parada!
- Não se pode dançar sem pista de dança. – O veado abre por baixo o outro lado do tabuleiro na frente do amigo, que fica uns segundos em silêncio, até que:
- Ah moleque!
- Vamos dançar!
O morcego sobe na mini pista de dança, sendo levado pelo veado até a pista de dança normal. Ficaram os dois dançando juntos, acompanhando as poses e letras do Mc, com dedo para o alto, sarradas no ar e bebida na cabeça.

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Dimas e AlexOnde histórias criam vida. Descubra agora