Passando por dentro do cemitério em desuso da paróquia de St. Pancras, Fanny Elmer vagava por entre os sepulcros caiados que ficam junto ao muro, atravessando o gramado para ler algum nome, indo adiante depressa quando o vigia se aproximava, indo depressa para a rua, ora parando diante de uma vitrine com alguma porcelana azul, ora se apressando para compensar o tempo perdido, subitamente entrando numa padaria, comprando uns pãezinhos, acrescentando algum bolo, indo de novo em frente de modo que quem quisesse segui-la teria que correr muito. Ela não era, contudo, nenhuma malvestida sem graça nenhuma. Usava meias de seda e sapatos com fivelas de prata, tão somente a pena vermelha do chapéu tinha vergado e o fecho da bolsa estava com defeito, pois dela caiu, enquanto caminhava, um exemplar da programação do Museu de Madame Tussauds. Tinha os tornozelos de um cervo. O rosto se escondia. Sem dúvida, nesse lusco-fusco, movimentos ligeiros, olhares breves e exaltadas esperanças acontecem muito naturalmente. Ela passou bem embaixo da janela de Jacob.
O apartamento estava calmo, escuro e silencioso. Jacob estava em casa, ocupado com um problema de xadrez, o tabuleiro em cima de um banquinho entre os joelhos. Uma das mãos mexia nos cabelos atrás da cabeça. Ele a trouxe para a frente devagar e levantou a rainha branca do tabuleiro; depois colocou-a de volta na mesma casa. Abasteceu o cachimbo; refletiu; moveu dois peões; avançou o cavalo branco; depois refletiu, com um dedo sobre o bispo. Neste instante, Fanny Elmer passou embaixo da janela.
Ela estava indo posar para Nick Bramham, o pintor.
Ela se sentou, envolta num florido xale espanhol, segurando um romance barato.
"Um pouco mais baixo, um pouco mais solto – melhor assim, perfeito", resmungou Bramham, que a desenhava e fumava ao mesmo tempo, e estava naturalmente com dificuldade de falar. A cabeça poderia ter sido obra de um escultor que tivesse feito a testa quadrada, esticado a boca e deixado marcas dos polegares e rastros dos outros dedos na argila. Mas os olhos nunca tinham sido cerrados. Eram muito proeminentes, e muito injetados, como que em consequência de ficarem olhando e olhando o tempo todo de olhos abertos, e, quando ele falava, eles pareciam, por um segundo, perturbados, mas continuavam fixos. Uma lâmpada elétrica sem anteparo estava suspensa sobre a cabeça da moça.
Quanto à beleza das mulheres, é como a luz sobre o mar, nunca fiel a uma onda só. Todas a possuem; todas a perdem. Ora ela é opaca e densa como uma peça de toucinho; ora transparente como um vidro suspenso. Os rostos fixos são os opacos. Eis aqui lady Venice, exibida como um monumento a ser admirado, mas esculpido em alabastro, para ser posto sobre o console da lareira e jamais ser espanado. Uma morena impecável, perfeita da cabeça aos pés, serve apenas como uma ilustração a ser deixada sobre a mesa da sala de visitas. As mulheres das ruas têm rostos de cartas de baralho; o perfil acuradamente preenchido com rosa ou amarelo e a linha à volta dele rigidamente traçada. E então, debruçada na janela do último andar, olhando para baixo, vê-se a beleza em pessoa; ou no canto de um ônibus; ou agachada numa sarjeta – uma beleza radiante, revelando-se por um momento, retraindo-se logo depois. Ninguém pode dá-la como certa ou agarrá-la ou tê-la embrulhada em papel. Não há nada a obter das lojas, e só os céus sabem que é melhor ficar sentado em casa do que frequentar as vitrines de vidro laminado na esperança de delas arrebatar, vivos, o verde brilhante, o rubi reluzente. Vidro rolado pelo mar quando vira pires perde seu brilho tão ligeiro quanto a seda. Assim, ao falarmos numa mulher bonita, queremos dizer apenas algo fugidio que por um segundo se utiliza dos olhos, dos lábios ou das faces de Fanny Elmer, por exemplo, para brilhar através deles.
Ela não era bonita, ali posando rijamente; o lábio inferior demasiado proeminente; o nariz demasiado largo; os olhos demasiado juntos. Era uma moça magra, de faces radiantes e cabelos negros, aborrecida neste momento, ou rija pelo esforço de posar. Quando Bramham partiu sua barra de carvão, ela se sobressaltou. Bramham estava irritado. Agachou-se à frente do fogão a gás, aquecendo as mãos. Enquanto isso, ela olhava o desenho dele. Ele resmungou. Fanny jogou um roupão por sobre os ombros e pôs uma chaleira para ferver.