"Archer", disse a sra. Flanders com aquela ternura que as mães com muita frequência demonstram para com seus filhos homens mais velhos, "estará amanhã em Gibraltar."
O correio pelo qual esperava (caminhando Dods Hill acima enquanto os incertos sinos da igreja badalavam a melodia de um hino sacro em torno de sua cabeça, o relógio dando quatro batidas em meio às notas circundantes; a grama arroxeando sob uma nuvem que anunciava tempestade; e as duas dúzias de casas da vila encolhendo-se juntas, infinitamente humildes, sob uma lâmina de sombra), o correio, com toda a sua variedade de mensagens, envelopes endereçados com letras grossas, com letras inclinadas, selados ora com selos ingleses, ora com selos das colônias ou, às vezes, apressadamente estampados com uma barra amarela, o correio estava prestes a espalhar uma miríade de mensagens mundo afora. Se lucramos ou não com esse hábito de comunicação profusa não cabe a nós decidir. Mas que a arte de escrever cartas é praticada de forma insincera hoje em dia, em particular por moços em viagem ao exterior, é algo que parece bastante provável.
Por exemplo, considere esta cena.
Eis aqui Jacob Flanders, já no exterior e fazendo uma parada em Paris para depois seguir viagem. (A velha srta. Birkbeck, prima de sua mãe, morrera no último junho e lhe deixara uma centena de libras.)
"Você não precisa repetir essa besteira toda mais uma vez, Cruttendon", disse Mallinson, o pintor baixinho e careca que estava sentado a uma mesa de mármore, respingada de café e cheia de marcas redondas de vinho, falando muito depressa e, sem nenhuma dúvida, mais do que um tantinho embriagado.
"Então, Flanders, terminou a carta para a tua progenitora?", disse Cruttendon, quando Jacob chegou e sentou-se ao lado deles, segurando um envelope endereçado à sra. Flanders, arredores de Scarborough, Inglaterra.
"Você defende Velásquez?" disse Cruttendon.
"Por amor de Deus, claro que sim", disse Mallinson.
"Ele sempre fica desse jeito", disse Cruttendon, irritado.
Jacob olhou para Mallinson com exagerada calma.
"Vou te dizer as três maiores coisas que já foram escritas em toda a literatura", disse Cruttendon subitamente. "Fique aí suspensa como uma fruta, minha alma", começou ele....
"Não dê ouvidos a um homem que não gosta de Velásquez", disse Mallinson.
"Adolphe, não sirva mais vinho ao sr. Mallinson", disse Cruttendon.
"Sejamos justos, sejamos justos", disse Jacob, imparcialmente. "Deixe que um homem se embriague se é o que ele quer. Isso é Shakespeare, Cruttendon. Estou contigo nesse respeito. Shakespeare tinha mais verve que todos esses malditos frogs postos juntos. 'Fique aí suspensa como uma fruta, minha alma'", começou ele a citar, numa voz retórica e musical, fazendo um floreado com o cálice de vinho. "Que o diabo preteie esta sua cara de nata, seu grande tolo!", exclamou ele, enquanto o vinho escorria pela borda.
"Fique aí suspensa como uma fruta, minha alma", Cruttendon e Jacob começaram, os dois ao mesmo tempo, e irromperam os dois numa gargalhada.
"Malditas moscas", disse Mallinson, dando um tapinha na calva. "O que elas pensam que eu sou?"
"Alguma coisa perfumada", disse Cruttendon.
"Cala essa boca, Cruttendon", disse Jacob. "Esse sujeito não tem modos", explicou muito polidamente para Mallinson. "Ele quer impedir as pessoas de beberem. Olha aqui. Eu quero tutano assado. Qual é mesmo, em francês, a palavra para tutano assado? Tutano assado, Adolphe. Então, dá para entender, seu imbecil?"