Capítulo 1

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O peito de Hórus subia e descia mais rápido do que ele estava acostumado. Seus braços tremiam. A exaustão estava quase tomando seu corpo, mas ele não desistiria. Ele precisava cumprir aquela tarefa. Eram muitos aqueles que dependiam de sua vitória.

Muitos que precisavam que seu tio Set fosse derrotado.

Ele deixou aquela raiva o preencher. Fechou o punho e socou a cachoeira do Poço do Egito com toda força que ainda tinha. Apesar de seu brado de guerra, que soou falho depois de horas gritando, nada aconteceu.

Hórus se ajoelhou, arfando. Lágrimas desceram pelas órbitas fechadas dos seus olhos. Olhos que não estavam mais ali.

— Você nunca vai conseguir enquanto usar a raiva como motivador — disse Quensu. Sua voz chegou suave aos ouvidos de Hórus, e ele identificou que ela estava do seu lado direito. Devia estar muito cansado e frustrado para não ouví-la chegando

O Príncipe sem Reino, como era chamado pelas outras crianças do Palácio dos Céus, usou sua magia para dirigir uma pequena brisa na direção de Quensu. Ouvindo como a brisa dançava em volta dela, ele pôde discernir sua fisionomia. Os cabelos cacheados tinham várias gotas d'água. Seus olhos estavam fechados, mas seus lábios sorriam. Ela usava brincos e correntes dourados, e um vestido que estava com a barra ondulando nas águas do lago. Como sempre acontecia quando estava com ela, Hórus lamentou em silêncio por não poder vê-la e contemplar a cor negra de seu rosto que ajudava a destacar os olhos prateados que ele sabia que ela tinha. Ele se lembrava da cor de sua mãe, Ísis. Pelo que contavam, Quensu era mais escura que ela. Devia ser a visão mais bela de todo o Reino do Nilo.

Quando achou que seu fôlego se normalizou o suficiente, ele a respondeu.

— Acho que você está errada. Eu nunca vou conseguir fazer isso. Quespisiquis devia saber disso. Por isso me destinou essa tarefa. É impossível inverter a corrente de uma cachoeira.

Quensu riu. A risada daquela garota conseguia acalmar o espírito de Hórus como nada mais no mundo. Apesar de ambos terem dezessete anos, Quensu tinha uma inocência e uma simplicidade no modo como via as coisas, que encantavam o garoto. Se um dia, ele conseguisse de volta o trono de faraó do seu pai, faria de Quensu sua esposa.

— Você está abordando isso da forma errada, Hórus. Papai não é mal. Me diga: a quantas noites está nisso?

— Sete noites — falou Hórus suspirando. Ele passou a mão pela cabeça careca. Jogou um pouco de água no rosto, apertando os ossos do nariz. Diziam que tinha o nariz e a boca iguais aos de seu pai, Osíris. Narinas alargadas e lábios grossos. Ele sentia orgulho disso. Mas tinha certeza de que o pai não ficaria orgulhoso com sua falta de progresso, se estivesse vivo.

A garota não se deixou abalar pelo desânimo dele, e continuou, empolgada.

— E nessas sete noites, quantas foram as vezes que você seguiu as orientações do meu pai?

Hórus franziu as sobrancelhas.

— As orientações do seu pai não se resumiam a "inverta a corrente da cachoeira com as mãos"?

O garoto sentiu ela se aproximando. Sentiu na pele a mudança que o andar de Quensu trouxe às águas. A Princesa da Lua, como era conhecida, pegou a mão de Hórus. Ele disse para si mesmo que a eletricidade que percorreu seu corpo não teve nada a ver com o fato de suas mãos estarem unidas. Quensu guiou a mão de Hórus, entrelaçada à sua, e colocou nas águas que desciam da cascata.

— Como meu pai falou e você não prestou atenção — ela disse com divertimento na voz, o que fez o príncipe engolir em seco —, o poder da Lua está ligado à muitas coisas de nossas vidas. As águas dos lagos, cachoeiras, rios e mares, por exemplo. As fases lunares influenciam diretamente nas cheias e mudanças de marés. Se você aprender a sentir a Lua, poderá se conectar ao seu poder. E ao que esse poder está ligado.

Nasce Hórus, o VingadorOnde histórias criam vida. Descubra agora