Capítulo 2 - Feridas abertas

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[Capítulo editado e revisado]

Uns dias se passaram e eu e o Aizer ficamos muito próximos, mesmo que eu tenha relutado no início. Conversávamos todos os dias, fazíamos ligação e jogávamos juntos. Fazia um bom tempo que eu não tinha um amigo assim, e até que eu estava feliz.
As pessoas do servidor não sabiam, claro. Aliás, eu nunca havia falado com ninguém no chat, não faziam nem ideia de quem eu era, até porque eu só entrava algumas vezes para escutar música. E, acima de tudo, Aizer era discreto quanto a isso.
Estávamos de ligação jogando papo fora, até que chegamos ao assunto de se encontrar.

- Você é de onde? - ele me perguntou

Confesso que fiquei receosa. Por mais que a gente tenha se tornado amigos, ele ainda era um estranho para mim e dar minha localização para ele? Eu sei que o Aizer não vai me fazer nada, mas fico com um pouco de medo. Contudo, enfiei ele no bolso e resolvi dar uma resposta ao garoto que me aguardava, do outro lado da linha.

- Sou do Rio de Janeiro

- Sério? Eu também! - ele respondeu meio eufórico. - Que lugar? Na capital?

- Não, sou da Região Metropolitana.

- Meu Deus! Eu estava olhando aqui.. até aí é umas 3 horas e meia, mas tipo.. ainda sim dá para ir, sabe?- Ele revelou bastante alegre.

- Mas, afinal... De onde você é? - Perguntei, né? Não era do meu agrado apenas ele saber onde moro.

- Eu moro perto da divisa de Espírito Santo com o Rio.

- Mentira?!

- Sério, por que a surpresa?- Ele perguntou com um tom de curiosidade.

- Minha vó mora por essas redondezas! Qualquer dia que eu for vê-la a gente pode se encontrar, não sei..

-Claro!- Ele soltou bem rápido e animadamente

Tá bom, eu fiquei bastante empolgada. Mas não é todo dia que um carinha, com essa voz linda, mora perto de você. Eu nem me importava com sua aparência. Eu não sou bonita de qualquer forma, não posso exigir o que eu não tenho.
Mas e se ele ligasse? E se ele me achasse esquisita?... Era isso que me deixava aflita.

- S/n, vem cá! - Minha mãe me gritou da sala e eu já sentia que minha paz havia acabado totalmente a partir daí.

Me despedi de Aizer e fui ao seu encontro dela.

Ela estava sentada no sofá ao lado do telefone, com uma cara meio chorosa. Eu não costumava ver minha mãe assim, só quando nós discutíamos. Ela se parece comigo em alguns aspectos: Quando estamos com raiva, tristeza ou felicidade em excesso, nossos olhos fazem o trabalho de expulsar em lágrimas o que estamos sentindo.

- O que houve? - Disse com um nó na garganta, aquilo já estava me deixando preocupada, mesmo sem saber o que estava acontecendo. Talvez, só intuição..

- É a sua vó, ela está se sentindo muito mal. Ela me ligou dizendo que não está bem e pediu para que eu fosse vê-la. Acabamos discutindo, porque eu não posso ir. Preciso estar presente no meu trabalh... - Cortei-a imediatamente.

- Como assim você não pode ir? - Cuspi as palavras. - Você não se importa com sua família?

- Não é bem assim, eu...- Cortei-a novamente

- Como não é assim? Claro que é assim! É sempre seu trabalho. Seu trabalho isso, seu trabalho aquilo... Você nunca tem tempo para sua família! Nunca tem tempo para mim.. - Meus olhos começaram a arder - Mas você não pode abrir mão de 3 dias de trabalho para ir ver minha vó? A única pessoa que estava com a gente quando todo mundo foi embora? Eu acho isso um absurdo!

- Eu não quero discutir com você também!- Ela disse sem nenhum tom de remorso.

- Não quer discutir? Tudo que a gente faz é discutir! A gente mal mantém um diálogo, e quando você me chama para "conversar"- Fiz aspas com os dedos - É para falar que vai abandonar minha vó lá naquela cidade, que ela não tem nenhum parente, passando mal. - Derramei uma lágrima solitária dos meu olhos, mas limpei rápido.

- Não é assim tão simples! Eu estou tentando está bem?- Ela aumentou o tom de voz - Eu faço de tudo para gente viver minimamente bem, para que não nos falte nada! Você é uma ingrata!

- Eu sou ingrata? Você fica o dia inteiro no trabalho e só me chama para brigar comigo, dizer que eu sou inútil e mandar eu procurar algo para fazer... - As lágrimas começaram a cair. - Talvez eu seja ingrata mesmo... Talvez eu tenha aprendido isso com você...

O silêncio se instalou na sala.

- Quer saber?... Eu vou vê-la! - Afirmei confiante e limpei o meu rosto com a palma das mãos.

- O que?

- É... se você não vai, eu vou. Nem que seja sozinha. - Disse olhando para minha mãe seriamente.

Ela não disse nada, apenas permaneceu em silêncio e se retirou do cômodo, em direção ao seu quarto.  Ela sempre faz isso. Quando eu arrumei uma briga na escola, e vieram bater na porta, ela se enfiou no quarto e mandou eu resolver. Quando ela adoeceu, não pediu minha ajuda e simplesmente se isolou. Quando meu pai fez as malas e foi embora, ela também se trancou no quarto. Quando eu precisava que alguém assinasse papéis de uma viagem escolar, ela foi para lá de novo. Quando minha vó veio ver como a gente estava, ela se escondeu também. E agora, está fazendo de novo.

Por mais fodida que seja minha cabeça, as vezes acho que tenho mais noção que ela. E deveria ser o contrário. Eu não vou deixar minha vó lá sozinha! Se as pessoas dependerem da minha mãe para alguém sobreviver, o mundo está perdido. Ela não quer ir ver nem a própria mãe.

É, e pelo visto eu iria ver minha vó bem mais cedo do que eu esperava, mas não pelo motivo que eu planejei na minha cabeça.

Entrelaçados Ao AcasoOnde histórias criam vida. Descubra agora