Juliette FreireMoro na favela de nome "Esgoto". Eu vivia em Campina Grande, mas, com a morte do meu pai, eu, minha mãe e meus irmãos, precisamos vim correndo para o Rj. Na verdade, eu nunca entendi o porque do meu pai morrer de uma forma tão bruta, goi assassinado a sangue frio. Estava eu e o Washington brincando de bicicleta com ele no quintal da nossa casa, quando invadiram e mataram ele, cortando cada pedaço do corpo dele e levando somente o membro dele. Isso é um trauma que carrego até hoje. Sempre fomos humildes, mas, na época começamos a passar fome. E eu tinha uma tia que morava aqui desde que me entendo por gente. Porém, quando viemos, ela morava na Tijuca, mas, como uma boa viciada em jogo, ela perdeu tudo e foi ao mundo, em busca da liberdade dela, lembro que ela precisou fazer isso para não morrer, já que ela tinha dívidas grandes com agiotas e por isso, precisamos vir morar aqui na favela.
Hoje tenho 23 anos, na época eu tinha apenas 5 anos. Jamais esquecerei os primeiros tiroteios aqui na favela que presenciamos. Foi difícil de acostumar, na verdade até hoje não me acostumo. As milícias não perdoam, embora minha família seja muito respeitada entre os comandantes do morro e os traficantes, a realidade de quem mora na favela é sempre muito arriscada.
Quando viemos pra cá, criamos vínculos que hoje juramos ser eternos, os vizinhossão nossa família. Quase todos na verdade. Eles gostam da gente, desde pequena sempre fui tão comunicativa, que vivia inventando modas de algo produtivo para as pessoas fazerem aqui na favela e esquecer um pouco da violência e do medo que é todos os dias não saber se acordará vivo, ou simplesmente a incerteza se que voltará vivo até aqui em cima, já que nunca sabemos quando os traficantes entrarão em ação, ou até mesmo a polícia, que era para nos proteger, mas, nos tratam como animal e criminosos, nos olhando sempre com um olhar reprovador e opressor e simplesmente podem nos matar, nos confundindo com bandidos.
Somos uma família simples, mas, somos unidos. Minha mãe Fátima infelizmente foi baleada em uma das nossas voltas do mercado e pasmem, baleada pela polícia, que não prestou socorro e alegou bala perdida. hoje ela perdeu parte do sistema motor, parte dos seus movimentos. Ela é muito dependente e a situação deixou a minha mãe com traumas, ela simplesmente parou no tempo e a mentalidade dela se transformou, hoje ela age como uma criança.
Meu irmão mais velho é o Washington, aquele gay que eu não vivo sem, que é o homem da casa e que sempre nos protegeu. Cabelereiro e maquiador e tudo que hoje eu sei, devo a ele. Ele me levantou quando eu já não tinha nenhuma esperança. Precisei começar a trabalhar com 10 anos, para ajudar ele a manter essa casa. Eu jamais me sentiria bem, vendo o meu irmão bancando tudo sozinho.
Minha irmã Julienne, essa tem um coração tão puro e amoroso. Costumo dizer que ela não merece esse mundo, embora ela vive falando o mesmo a meu respeito. Ela é minha bonequinha, a que eu sempre cuidei, troquei fralda e dei mamadeira. Quem vê, pensa que temos uma diferença de idade absurda, mas, temos apenas 3 anos de diferença. Ela é minha dupla sertaneja, a que sempre corro pra contar todos os meus segredos, toda minha frustração, cada conquista e felicidade. Ela de fato, é meu anjo querubim que eu protejo com unhas e dentes.
Não sei o que seria de mim sem meus irmãos, eles são meus anjos em relação a Alice. Sim, tenho uma filha, Alice Freire, meu pacotinho de amor, que tem só 3 anos. Ela é meu frutinho, meu moranguinho.
Infelizmente minha história em relação a existência dela não é nada fácil, foi uma situação que me deixa marcas até hoje e tenho certeza que essa marca ficará pra vida toda. Sim, fui vítima de estupro. Vítima de estupro de um cara que eu jurava ser meu amigo de infância. Ele vivia dando indícios de que era apaixonado por mim, mas, nos conhecemos ainda quando chupávamos chupeta e eu jamais imaginaria que ele faria algo assim comigo. Eu confiava nele, minha família confiava nele.
Como uma grande filha do universo, sim, sou louca e curiosa por tudo que é novo. Vou voltar com a faculdade e através de amizades, consegui uma vaga de trabalho na empresa de guia de turismo e guia de escalada, e não é qualquer coisa, é um salário que dará para pagar o plano de saúde da minha filha e as contas de casa. Por enquanto pela manhã farei faculdade ead, por causa da disponibilidade com a Alice e a tarde, irei trabalhar como guia de escalada.
Essa é minha realidade. Nunca sei o dia de amanhã e planos são incertos. Nossa vida é hoje e pode não ser amanhã. Vivo completamente repleta de intensidade e aventuras.
Sarah Andrade
Sou Policial Federal e fui transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Sou natural de Brasília e confesso que estou aninada. Brasília é uma cidade parada, embora com esses bandidos, vida de policial nunca é parada, tem sempre ocorrências e casos de homicídio. A propósito, trabalho com homicídios.
Sou fruto de tanto amor dos meus pais, mas, que infelizmente, eles foram embora tão cedo. O pouco que convivi com eles, foram os melhores anos da minha vida. Quando eu tinha 5 anos, eles foram assassinados da pior forma, na minha frente. Estávamos só passeando, era um lindo dia de dominho ensolarado e estávamos indo ao parque fazer um picnic, quando meus pais foram parados e obrigados a sair do carro. Na época eu era muito criança, não entendia nada. Hoje, eu sei que ali foi queima de arquivo. E até hoje, é um grande mistério pra mim. Até hoje me pergunto quem eram aqueles homens. Eles simplesmente multilaram meus pais e depois pegaram as partes deles e guardaram. Eu estava no carro, presenciei tudo. Eles me queriam também, mas, consegui correr pela mata. Eu lembro o quão apavorada eu fiquei e por sorte, esbarrei com um anjo. A Rafaela me adotou, depois de tudo que contei a ela. Claro que fomos as autoridades e infelizmente passei quase 1 ano em um orfanato e lá sofri horrores.
Ninguém me aceitava, por eu ser diferente dos outros. Sou intersexual. Por isso no orfanato eu era tratada como aberração, não bastava passar bullying na escola. Mas, no orfanato me batiam, me deixavam passar fome e frio. Isso eu jamais esquecerei. Rafaela me salvou. Ela é uma mãe incrível. Me acolheu de uma forma que eu senti nela que ali eu era de verdade a filha dela e de pacote, eu ganhei uma irmã incrível, a Thaís. Apesar de ser o dobro do tamanho dela, era ela quem sempre me defendia e me ajudava a acreditar que não precisava ficar mal e que tudo passaria. E passou, hoje me sinto vingada.
Mas, não me sinto realizada. Sim, sou grata pela segunda chance de ter uma família e de ser muito amada. Mas, realizade eu vou ficar, quando eu descobri quem matou meus pais e o motivo dessa barbaridade. Todos os dias ainda sonho com o assassinato.
Não é fácil ser respeitada aqui na polícia, por ser mulher. Me olham torto e vivem de gracinha, mas, eu sou mais homem que esses bonecos daqui.
Sou completamente solteira, mas, nem só de trabalho vive uma mulher. Eu amo uma cachorrada, amo mulheres, amo sexo e amo uma cachaça, acho que ninguém consegue acompanhar o meu ritmo.
Minha personalidade é louca, para quem eu amo e confio, eu sou totalmente entregue e alegre. Mas, pra quem eu não confio, eu não dou confiança e trato com indiferença. Esse é um meio que aprendi para me proteger, já fui traída, muito traída e pra confiar em alguém é complicado, eu criei um certo bloqueio, finjo confiar para não constranger ninguém e finjo a fina, pra não deixar ninguém com cara de enterro.
No fundo eu sou legal. Só quero trabalhar em paz e vadiar em paz mesmo.
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vidas Opostas (Sariette) ^INTERSEXUAL^
FanfictionJuliette, moradora de favela, mãe da Alice e luta por dignidade. sarah, Policial Federal, casca grossa e faz de tudo para desvendar o mistério do assassinato dos seus pais. Sarah Intersexual