Capítulo Único

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- Quando eu mandar você ir embora, é 'pra você fazer o que eu digo, entendeu?! - ele gritava do fundo de seus pulmões. 

O tom de voz não importava tanto, já que ninguém conseguiria nos ouvir no meio daquela chuva. 

- Eu não posso permitir que faça isso! - rebati, também erguendo a voz. 

Já era a quarta vez naquela semana que Ainosuke saia escondido no meio da noite para treinar. Ele não deixava que sua família soubesse, nem deixava que a privação de sono afetasse seu desempenho diurno, mas eu sabia que aquilo o acabaria consumindo por dentro aos poucos. 

- Eu não preciso da sua permissão! 

Não sei porquê eu escolhi aquela noite para tentar pará-lo. Talvez discutir no meio da chuva não fosse a melhor maneira de se ter uma conversa. 

- Senhor Ainosuke, eu... 

É. Foi como imaginei. Ele se fartou de me ouvir (na verdade, o diálogo durou bem mais do que eu pensei) e olhou 'pra mim com aqueles olhos vermelhos... Estava louco de raiva e, sem mais nem menos, me jogou contra o chão. Minhas roupas ficaram ensopadas, mas não tive tempo de me preocupar com aquilo: sequer havia me estabilizado no solo e senti sua mão agarrar meus cabelos pelo escalpo. Ele ergueu minha cabeça com um simples movimento, e eu não pude fazer muito mais além de me entregar e gemer devido a dor. 

Ele se abaixou um pouco, trazendo seu rosto até mais próximo do meu, e me perguntou com os dentes cerrados: 

- Por que você simplesmente não me deixa em paz? 

Eu poderia pensar em inúmeras respostas para essa pergunta, mas preferi escolher a razão de tudo isso ter acontecido; a razão de eu estar ao seu lado a todos os momentos; a razão de eu nunca ter ido embora; a razão de eu nunca ter "te deixado em paz"... 

- Porque eu te amo!! - gritei com lágrimas em meus olhos. 

Eu disse aquilo em um impulso, sentindo minha garganta e meu peito arderem ao longo da frase. Não esperava que ela tivesse algum efeito, mas... a expressão dele mudou drasticamente. Não transparecia raiva nem nenhuma emoção parecida, era como se ele apenas tivesse ficado surpreso, ou melhor, muito surpreso. 

Ele soltou meus cabelos e eu acabei caindo de joelhos. Levantei os olhos e continuava sendo encarado da mesma maneira, embora agora Ainosuke parecesse um pouco assustado. Ele largou o skate, que caiu contra o chão, espirrando algumas gotículas de água que estavam acumuladas lá. Me encarou por mais alguns segundos e, em seguida, correu de volta ao seu lar. 

E eu fiquei ali, na chuva, no meio do enorme jardim, ainda tentando entender o que aconteceu. 

Depois daquilo, ele não tentou sair escondido na noite seguinte. Nem na outra. Nem na outra. Ele parou com as fugas noturnas mas, em contrapartida, começou a me evitar. Imaginei que estivesse bravo por eu ter atrapalhado seus planos, mas Ainosuke não costumava agir assim; muito menos comigo. 

E assim, se passaram três dias desde o incidente. Não sabia até quando aquele muro de silêncio duraria, até que, em uma tarde, ele veio até mim: 

- Tadashi. - ele chamou. Olhei para ele de prontidão. Ele continuou: - Poderia vir comigo, por favor? 

"Por favor"? Ele não costumava falar assim. 

- Claro, senhor. - respondi de imediato. 

Ele se virou de costas e começou a andar, esperando que eu o seguisse, e assim eu fiz. Andamos por uma boa parte da residência e quase todo o jardim até chegarmos em um dos galpões de ferramentas que haviam por lá. Entendi que era ali que ele queria me levar. Entrei, dando uma breve olhada ao redor escurecido das paredes e sentindo o cheiro de umidade que estava contido nas mesmas. Me virei e o observei fechar a porta. 

- O que quer que eu fa- 

Antes que pudesse concluir, ele se virou e de forma brusca e selou nossos lábios. Sequer fechei os olhos devido à surpresa. Suas mãos não me tocavam, muito menos seu corpo, eram apenas seus lábios contra os meus. Foi um beijo forte e sucinto, assim como Shindo, e eu nunca imaginei que seria diferente. 

Ele se separou de mim pouco depois e me olhou brevemente nos olhos antes de baixar a cabeça e me ordenar: 

- Fique aqui por uns dez minutos; depois pode sair e fingir que isso nunca aconteceu. - ele se preparou para voltar à porta. 

Imaginei que não quisesse que ninguém soubesse daquele beijo, e respeito totalmente seu desejo, mas, assim que ele passasse por aquela porta, aquele momento acabaria e eu nunca mais teria a chance de vivê-lo novamente. 

- Não!! - disse em impulso, sem ponderar nenhuma única vez. Estendi minha mão e agarrei seu pulso, trazendo sua atenção de volta para mim.

No momento em que aqueles olhos me encontraram, percebi a besteira que havia feito. Não só havia contrariado uma ordem como estava segurando Shindo pelo pulso. O soltei imediatamente assim que notei a gravidade de meus atos e recuei, me preparando para lidar com as consequências. 

Imaginei que receberia um soco, gritos, ou que seria novamente jogado ao chão. No entanto... Ainosuke não fez nenhuma dessas coisas. Ao invés disso, senti o corpo dele colidir contra o meu e me tomar em um abraço. Nunca, nem em cem anos, eu esperaria por aquilo. Fiquei pasmo por alguns momentos até me situar melhor e, quando o fiz, comecei a erguer os braços com certa dificuldade e receio até pousá-los em suas costas. Eu tremia. Ele também. 

Em algum momento, achei que tivesse ouvido ele fungar. Ele estava chorando? 

- Senhor? - perguntei apreensivo. 

- Me perdoe, Tadashi. - ele pediu com voz trêmula. - Por tudo o que eu fiz e... por tudo o que eu ainda vou fazer. 

A forma como a voz dele saía era de partir o coração. Acho que nunca vou entender verdadeiramente o que aconteceu com Ainosuke naqueles poucos minutos em que ficamos a sós, mas não me importo em permanecer leigo em relação a isto. Minhas mãos acabaram afagando suas costas em um gesto quase automático, enquanto eu simplesmente disse: 

- Eu sempre vou te perdoar, senhor. - sussurrei. 

Ele se afastou de mim apenas o suficiente para que nossos rostos ficassem frente a frente. Seu rosto estava úmido. Sem dúvida haviam rolado algumas lágrimas por ali. Coloquei minha mão em seu rosto (acho que realmente havia perdido a noção) e depositei um carinho com meu polegar até que ele se aproximou e me beijou mais uma vez. 

O contato, dessa vez, começou calmo, parecendo realmente haver algum tipo de sentimento envolvido no ato. Sua língua adentrou o céu da minha boca e não me lembro de ter sido tão grato por um momento quanto estava sendo por aquele. Suas mãos agora me tocavam, assim como seu corpo. Tinha encontrado meu refúgio ali e lembraria dele por toda a eternidade se fosse possível. Mesmo assim, meu momento favorito não foi nenhum dos que citei aqui, mas sim quando nos separamos novamente e ele beijou minha bochecha (um ato pura e inteiramente afetuoso, que fez meu rosto corar e meu coração errar algumas batidas) antes de retomar o abraço e dizer: 

- Obrigado por me amar, Tadashi. - ele fez uma pequena pausa. - E pode me chamar apenas de Ainosuke, se quiser. 

Meu coração se aqueceu com aquelas palavras. Me aconcheguei mais uma vez naqueles braços, aproveitando para sentir seu cheiro enquanto memorizava cada momento. 

- O prazer é meu, - fiz uma breve pausa antes de concluir. - Ainosuke.

Forgive me (TadaAi)Onde histórias criam vida. Descubra agora