CAPÍTULO II - Eu queria ouvir sua voz

8 3 2
                                    

amo-te, e é tremendo o quanto

— Laura. Laura. Laura? — Charlotte mexia na amiga, buscando acordá-la. A sonolenta em questão acabou por o fazer e a encarou com os olhos semicerrados, sem nada entender e sem parecer lembrar onde estava. A loira riu, pois sempre achava bonita a feição brava e perdida de Jackson ao acordar. — Estamos chegando na cidade. Estando lá, vamos ao cemitério e... Bom, acho que vou visitar minha avó, então temos de tomar um carro. Tomara que meu pai não tenha dito o que sabe ou inventado coisas ruins de mim... Minha avó é um tanto... Muito do tempo dela. 

— Certo. Vamos. Falta muito tempo?

— Ah, não. Mais ou menos meia hora... 

— E por que me acordou agora?

— Queria ouvir sua voz... Ficar em silêncio estava me deixando louca. Conversar com os pensamentos não é saudável. 

Laura assentiu, bocejando e assentindo. Estavam numa cabine de trem. Coçou os olhos, segurou a mão de Charlotte e a outra deixou de encarar a janela, o sol nascendo, e ficou encarando-a também. Johnson não sabe quanto tempo passou, só que neste todo ficou perdida nos olhos dela, sentindo sua garganta contorcer na vontade de chorar. Odiava a forma que era sensível em diversos momentos, e até demais. 

— O que está olhando, Laura? — Quebrou o gelo, por fim, limpando uma lágrima. Falou isso assim que percebeu que iria chorar. Não queria isso. — Está com cara de quem quer me beijar. — Sussurra, por fim, com o princípio de um sorriso.

Jackson arregalou brevemente os olhos, com o rosto avermelhado. 

— Mas saiba que não irei. — continuou — Acordaste agora e está com bafo. E você baba dormindo. 

— Desgraçada! — Laura fingiu batê-la, rindo. Depois checou o próprio hálito. — Não está tão ruim. Não acredito que disse isso!

— Então você admite, né? — A outra rebateu, se divertindo com a situação. — Boba! 

Ainda demorou algum tempo até chegarem a Minneapolis. Lá, Charlotte teve pressa em apanhar um carro e seguir ao cemitério, mas antes pediu parada numa floricultura próxima e comprou lírios brancos, finalmente indo até o destino. Ela só tinha ido lá uma vez. Deixou as malas próximo do local e arrumou sua roupa — que era, na verdade, bastante composta para o usual; uma camisa de gola alta, canelada e saia de alfaiataria, ambas pretas — e segurou as flores com cuidado para ir até lá. 

— Oi, mamãe. — Sorriu, mas por muito pouco tempo, parando na frente do túmulo. Laura estava logo atrás. Abaixou-se um pouco, então, colocando o buquê acima da estrutura de concreto, vendo o pequeno retrato da mãe colocado lá, ao lado de seu nome. Eleanor Von Reichenbach-Lessonitz. — Laura, eu... Acho que preciso ficar um pouco sozinha com ela, tá? Você pode me esperar lá na frente? Não irei demorar. 

Desta forma, Jackson assentiu e pegou a mala que elas compartilhavam, assim como a de mão, indo para a porta do lugar. Enquanto ia, de vez em quando olhava para trás e olhava Charlotte chorando, conversando com o túmulo. Já mais longe, ficou observando a situação com mais atenção, de onde já não ouvia nada. Viu a loira chorar copiosamente, bater os pés no chão, abraçar a estrutura de concreto, passar a mão pelo retrato e continuava falando, encolhida. Ela ficou mais de meia hora ali. Laura sentia um frio na barriga terrível em vê-la cabisbaixa como uma criança perdida; e Charlotte agia assim algumas vezes. Às vezes parecia que algum lado dela não havia de fato amadurecido. Ou endurecido com o tempo, se há outra interpretação. Charlotte ainda sentia tudo na sua forma mais lírica, apesar das coisas que viveu. E esta sua forma quase única era o que a tornava quem era. 

Face primaveril na noite nebulosaOnde histórias criam vida. Descubra agora